Nos últimos dias foi divulgada uma pesquisa realizada entre julho e agosto de 2023, com apoio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e da empresa esportiva Nike, sobre o preconceito no maior e mais popular esporte do país. Os números apresentados foram assustadores, aproximadamente 41,8% dos jogadores de futebol ou trabalhadores negros do futebol do Brasil disseram ter sido vítimas de racismo durante o exercício de suas atividades.
Em 21/05, deste ano, torcedores do Valencia chamaram o jogador brasileiro do Real Madrid, Vinicius Junior, de macaco desde a chegada do ônibus ao estádio, continuando os insultos durante o jogo. No segundo tempo, o brasileiro apontou dois torcedores que estavam imitando sons do animal e cometendo racismo contra ele.
O Brasil é um país multicultural, que apresenta uma população com várias contribuições étnicas, o que torna dificílimo estabelecer rótulos para a participação de atletas negros no esporte. Um país cuja população, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, é formada por 56% de pessoas negras.
Conforme os resultados de uma consulta realizada pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, considerando os insultos, “piadas” ou “ataques”, o que se percebe é que essas situações ocorrem majoritariamente nos estádios (53,9%), nas redes sociais (31,4%), nas sedes ou centros de treinamento dos equipamentos (11,4%) e, em menor medida, nos hotéis (3,3%). O problema também aparece dentro das populações indígenas, que afirmaram que 31,6% sofreram algum tipo de racismo, enquanto 52% dos participantes da pesquisa afirmaram ter visto algum caso.
Em agosto passado, o governo federal propôs uma série de ações, entre elas estão a criação de selo e de prêmio para entidades esportivas antirracistas, a oferta de assistência psicológica para atletas negros e parcerias educativas entre torcidas organizadas e coletivos. Na vanguarda da luta contra o racismo brasileiro, temos o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, idealizado com o objetivo de monitorar, acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, assim como divulgar e desenvolver ações informativas e educacionais que visem erradicar essa praga que tanto macula a sociedade nacional.
Essas atitudes são importantes e devem fazer parte de uma nova rotina de trabalho em todas áreas do esporte. Iniciando os trabalhos nas categorias de base. Todavia, o que o racismo provoca na psique dos atletas negros no início de carreira? Como especialista no tema, acredito que uma das primeiras consequências visíveis é o medo. O medo de perder, o medo de perder o espaço dentro da equipe, da bronca e da comparação com outros atletas que não são negros.
O medo é uma característica biológica que faz parte da nossa vida. E por que existe o medo? O medo é uma reação de defesa na verdade, todo o nosso corpo e o cérebro trabalham com o objetivo de sobrevida. Então, o que acontece? Nosso cérebro é muito sensível a algumas coisas, e ele armazena com muito mais facilidade situações que, por exemplo, nos expõem a risco. Então tudo aquilo que agride ou que ele entenda que seja um risco à sobrevivência, virá à memória, assim, prejudicando o rendimento dos atletas mirins.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é o estresse elevado tanto para os atletas em início da carreira (categorias de base) como para os profissionais. O estresse é gerado pela falta da gestão emocional. Essa ausência pode impactar, sim, nas competências cognitivas dos atletas e, consequentemente, interferir na performance. Logo, momentos de estresse prolongados e mal gerenciados causam problemas cognitivos para os atletas, como, por exemplo, falta de atenção, falta de concentração, dificuldades para reação e tomada de decisão e alteração do humor, tudo isso pela falta de gestão emocional.
O que acontece? Quando estamos muito estressados, passando por um período difícil como no caso de uma violência racial e esta situação é mal gerenciada, o organismo libera cortisol pelas glândulas suprarrenais e quando esse cortisol chega no cérebro há diminuição da permanência da serotonina nas fendas sinápticas.
Isso é significativo, e apenas para termos uma ideia, por exemplo, remédios antidepressivos atuam diretamente nessa permanência da serotonina entre as fendas sinápticas. Apenas para elucidar quão importante é termos serotonina nesta região.
O ponto que infelizmente chego é que o racismo leva pessoas saudáveis e habilidosas em suas funções dentro do esporte a apresentarem um quadro depressivo. Em algumas situações, há casos de tentativas e até de suicídio dentro do esporte.
Dados do Ministério da Saúde, do ano passado, apresentam índices preocupantes de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil. O número de suicídios é 45% maior entre jovens negros do que entre jovens brancos. Além disso, a pesquisa mostrou ainda que o risco aumentou 12% entre a população negra nos últimos anos e permaneceu estável entre brancos.
Nesse recorte, a faixa etária de 10 a 29 anos é a que mais sofre, principalmente as pessoas do sexo masculino que têm chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade. Os números são alarmantes. O suicídio ainda é um tabu e o racismo vivido contribui para situações emocionais graves, é preciso vencer as barreiras e falar abertamente sobre saúde mental.
Além disso, por muitas vezes, as queixas raciais são subestimadas ou individualizadas, tratadas como algo pontual, de pouca importância e ainda culpabilizando aquele que sofre o preconceito. Aproveitemos este setembro amarelo e vamos jogar ainda mais luz no combate ao racismo, associado aos cuidados com a saúde mental, muitas vezes negligenciada por quem deveria cuidar desses atletas. Não podemos aceitar ou validar comportamentos que prejudiquem a capacidade cognitiva dos nossos atletas em suas competições. O esporte deve ser lugar de bem-estar e acolhida, não de preconceitos.
Amanda Ciaramicoli, psicanalista esportiva