Miguel Lucena
Quando eu vejo os jovens procurando psicólogos, psicanalistas e psiquiatras por qualquer aborrecimento, imagino como eles reagiriam ao que a nossa geração passou e presenciou em certo tempo passado.
A mãe abrindo um preá que o pai caçou numa loca de pedra, com a ajuda do cachorro Tubarão, aquele fedor de vísceras incensando a casa, depois o cheiro de esquilo assado na brasa atraindo o vizinho para tirar o gosto após virar um copo engana-bêbado de Altiva.
- Ai, fui obrigado a comer uma juriti, que trauma! – diria o rapaz da Geração Z, cobrando até hoje reparação dos familiares pelos danos experimentados.
- Um bêbado cuspiu resto de fumo dentro do meu olho, no balcão de Zé Alvelino, o cheiro de alcatrão ficou para sempre em mim!
Os pais dos colegas que amarraram a bermuda da criança na beira do Açude Velho, enquanto ela dava um mergulho durante o recreio do Grupo Escolar Gama e Melo, teriam de vender a roça para pagar a indenização pelo buliyng, já que ela teve de voltar nua para casa. - Que horror, nunca mais fui o mesmo! – diria.
As guerras de badoque, a flecha na bunda de Viúvo de Lourenço de Calu, o ferrão do cavalo-do-cão na minha mão, 41 graus de febre e quase morrendo, a pedrada na cabeça de Totonho de Antônio do Baixio, os meninos fazendo troca-troca nos tanques de Dona Júlia, o jovem que abriu o sapato após chutar uma caixa com pedra dentro, o outro que ia para a festa e pisou numa tuia de cocô, o garoto que foi para a festa de aniversário com uma bermuda furada no fundo, porque não tinha outra, só tomar guaraná e comer bolacha Maria quando estava doente, nunca viajar por falta de dinheiro, entrar pelos arames do circo por não ter ingresso, passar o dia atrás do palhaço cantando e fazendo presepada para ganhar um carimbo no braço e entrar de graça no circo, sem tomar banho para o carimbo não apagar – vou parar por aqui, é trauma que não acaba mais, e as novas gerações vão passar mal ao ler essas maltraçadas, vão precisar chamar o Samu.