Médicos neurologistas cooperados da Unimed Chapecó esclarecem dúvidas sobre a doença e orientam como auxiliar um paciente durante uma crise
Aproximadamente 2% da população brasileira e cerca de 50 milhões de pessoas no mundo têm epilepsia, segundo estatística da Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme dados de 2022. A doença do sistema nervoso central é caracterizada pela ocorrência de forma repetitiva, inesperada, de crises epiléticas, que são alterações transitórias da atividade elétrica cerebral. Mesmo sendo uma condição neurológica comum, por receio de julgamento, poucas pessoas expõem seu diagnóstico, o que contribui para aumentar as dúvidas de como auxiliá-las durante uma crise. Nesta reportagem, médicos neurologistas cooperados da Unimed Chapecó abordam mitos e verdades sobre a doença.
“Assim como o coração tem um ritmo, o cérebro também tem, que são as ondas cerebrais identificadas no exame de eletroencefalograma. Por exemplo, as células nervosas se comunicam entre si por sinapses elétricas ou químicas, formando uma rede neural. Porém, em uma crise epilética, ocorre uma alteração transitória dessa atividade elétrica cerebral, então, é como se o ritmo ficasse fora do compasso”, explica Dra. Gioconda Seabra E. Mendes. Assim, durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos. Se ficar restrita, a crise é denominada de parcial e se envolver os dois hemisférios cerebrais é chamada de generalizada. Isso faz com que os sintomas sejam diferentes, ou seja, de ausências a convulsões.
De acordo com a especialista, a epilepsia pode ser uma condição temporária ou permanente, o que determina essa situação é a causa. “O desafio está em identificar uma causa específica dessa alteração no funcionamento cerebral, o que não é possível para quase metade dos pacientes. Da outra parte ocorreu algum evento traumático, como lesão cerebral (Acidente Vascular Cerebral – AVC), infecção (meningite e encefalite), complicações no periparto ou desordens genéticas”, comentou. Para exemplificar, Dra. Gioconda cita a meningite, que pode provocar crises epiléticas e fazer com que o paciente utilize medicações por um tempo determinado, já a má-formação cerebral congênita é uma condição permanente.
CRISES EPILÉPTICAS
O diagnóstico é feito a partir da história clínica do paciente, exame físico, neurológico (ressonância magnética e eletroencefalograma) e complementares. A neurologista reforça que a doença não é contagiosa, ao contrário do que se imaginava no passado, em virtude da dificuldade em identificar sua causa. As crises epilépticas podem se manifestar de diferentes maneiras. “Na de ausência, o paciente parece ‘desligado’ por alguns instantes, com olhar fixo e sem contato com o meio. Nas parciais simples, pode experimentar sensações estranhas como distorções de percepção, movimentos descontrolados de uma parte do corpo, medo repentino, desconforto no estômago ou ver e ouvir de maneira diferente do habitual. Na crise parcial complexa, há perda de consciência e, ao retornar, o paciente fica confuso e com dificuldade de memória”, comentou.
Na crise convulsiva, a pessoa pode cair, ficar com o corpo rígido, apresentar contrações musculares, salivar intensamente, respirar de maneira ofegante e, às vezes, ter perda de urina e fezes. Nesses casos, há um risco maior de morte súbita ou lesões graves (fraturas de coluna e trauma de crânio), por isso as pessoas próximas devem procurar uma proteção para a cabeça como travesseiro ou almofada, deitá-la ou posicioná-la de lado, e aguardar terminar a crise. “Importante esclarecer que não se deve colocar nada na boca do paciente. Não deve-se puxar ou segurar a língua dele”, reforça a especialista. Nos casos em que uma convulsão durar mais do que cinco minutos ou quando as crises forem recorrentes, a recomendação é procurar um atendimento de urgência.
TRATAMENTO
De acordo com o Dr. Leonardo Cordenonzi Pedroso de Albuquerque, o tratamento da epilepsia é, principalmente, medicamentoso. A escolha observará características do paciente, tipos de crises e possíveis alterações identificadas nos exames de imagem. “Os pacientes refratários, aqueles que não respondem ao tratamento farmacológico após reavaliações, têm como opções cirurgias, como a ablativa, em que se remove a porção do cérebro responsável por iniciar as crises, a do Estimulador do Nervo Vago (VNS), que envolve o uso de impulsos elétricos para modular a atividade, ou o Implante de Estimulador Cerebral Profundo (DBS)”, relata. Para as crianças, segundo o especialista, outra alternativa é a dieta cetogênica, que é rica em gorduras e proteínas.
Segundo a Dra. Gioconda, de 70% a 80% dos pacientes têm uma vida normal, desde que mantenham o tratamento medicamentoso. Os casos mais severos, de acordo com o Dr. Leonardo, têm limitações, principalmente aqueles que não têm controle das crises epiléticas com medicamento ou tratamento cirúrgico. “Alguns têm limitações laborais, educacionais e, frequentemente, precisam de auxílio de terceiros ou até mesmo são dependentes. Além disso, eles têm maior probabilidade de depressão e pior qualidade de vida”, esclarece. O neurologista salienta que o paciente pode dirigir, contudo, existem algumas regras específicas em virtude da doença, como estar em tratamento, com as crises controladas há pelo menos um ano e passar por avaliações regulares mais frequentes.
A atividade física regular também é recomendada aos pacientes, porém, algumas modalidades devem ser evitadas, como: natação, mergulho, esportes radicais, alpinismo e paraquedismo. “Esses exercícios têm riscos potenciais para desencadear uma crise epilética, porque remetem ao perigo e, consequentemente, acionam o estado de alerta do indivíduo”, explica o Dr. Auney de Oliveira Couto.
Outra recomendação é controlar os níveis de estresse, que podem provocar distúrbios não convulsivos. “Isso é comum, principalmente, em pacientes com epilepsia de difícil controle, que manifestam crises convulsivas e não convulsivas. Já a privação de sono é um elemento desencadeador de crise convulsiva em pacientes com epilepsia”, alerta o especialista. A Dra. Gioconda complementa que, entre as principais causas de crises estão a ingestão de bebida alcoólica e a suspensão abruta da medicação anticonvulsivante, ou seja, a falha e o esquecimento do remédio.
MITOS E VERDADES
A epilepsia é sempre causada por um trauma cerebral?
NÃO. O trauma de crânio pode provocar crise convulsiva ou epilepsia pós-trauma, porém, não é todo trauma cerebral que condiciona a epilepsia. Não é uma condição sine qua non (indispensável).
A pessoa mantém a consciência durante a crise?
DEPENDE. Isso varia porque existem diversos tipos de crises epilépticas, que são descargas elétricas anormais no cérebro. De acordo com o local do cérebro onde ocorre essa descarga, os sintomas surgirão. A pessoa pode ter alguns fenômenos visuais (enxergar cores ou formas), auditivos (escutar barulhos, como buzina ou sino), ter alguma sensação estranha no corpo (formigamento, movimento involuntário), sem ter perda da consciência. Mas, com muita frequência, as crises evoluem com perda da consciência, seja falta de percepção do mundo (não interage, tem comportamentos anormais e amnésia) ou desmaio e tônico-clônicas generalizadas.
Os medicamentos controlam as crises?
SIM. Cerca de dois terços dos pacientes terão epilepsia completamente controlada com os medicamentos. Por outro lado, um terço dos pacientes são refratários, o que representa 30%, em que os medicamentos ajudam a reduzir o número de crises epiléticas.
Mulheres com epilepsia podem ter filhos?
SIM. As mulheres com epilepsia podem engravidar e ter filhos. Por isso, é muito importante ter o planejamento da gestação e o acompanhamento pré-natal. Toda gestação tem risco de malformações em torno de 0,5% a 1% e, a maioria dos antiepilépticos aumentará esse risco para 1,5% a 2%. Porém, existem alguns medicamentos proibitivos que elevam esse índice e podem chegar até 10%, mas, com planejamento adequado, a gestação pode ser segura.
A epilepsia pode ser hereditária?
DEPENDE. Algumas pessoas podem ter antecedentes de epilepsia sem jamais manifestar uma crise convulsiva e, quando são submetidas a um eletroencefalograma – por trabalharem em atividade de risco (altura ou espaço confinado) –, o elétron altera, o que representa um índice de 4% da população. As crises convulsivas de origem genética podem começar na infância ou na fase adulta. A forma mais prevalente é a crise convulsiva febril, porém, só ocorre na infância.