Professor do CEUB destaca o espírito candango que sobrevive nas periferias e a história de agentes que se tornaram invisíveis na história da capital
Um cenário de poeira vermelha e lona. O homem trazia na mala pouca roupa, esperança de um futuro próspero. Como ele, milhares chegaram de ônibus, a pé, amontoados em caminhões, fugindo da seca, da fome e do abandono. Vieram chamados pelo eco de construir Brasília, a nova capital de um Brasil promissor. Ao celebrar 65 anos, a capital federal carrega consigo a rotina e a história desses operários que a ergueram, conforme contextualiza Deusdedith Júnior, professor de História do Centro Universitário de Brasília (CEUB).
“Eram trabalhadores que se tornaram operários enquanto construíam a cidade. Muitos nunca tinham empunhado uma enxada ou levantado um muro. Aprenderam a fazer Brasília fazendo”, revela o especialista. Segundo o historiador, homens e mulheres viravam concreto, ferro e pó numa cidade que crescia mais rápido do que o próprio tempo. “Brasília não foi feita apenas de concreto, mas de persistência. Quando o último prédio ficou de pé, os candangos não voltaram para casa. Eles resistiram e inventaram novas Brasílias”, relembra.
Apesar de ter sido planejada para ser moderna, a história da capital trouxe junto uma segregação social que deixou marcas: “Ainda hoje, no Distrito Federal, pulsa uma cidade que não aparece nos cartões-postais: uma Brasília das cidades-satélites, das periferias. A cada 21 de abril, essas histórias renascem no sotaque nordestino das feiras, nos bairros populares, nos nomes que resistem.”
O especialista defende que Brasília é, mais do que nunca, lembrar de João, de Maria, de Severino, de tantos outros que chegaram ao Planalto com nada, mas, mesmo assim, construíram tudo. “Ao completar 65 anos, Brasília carrega, em suas fundações, mais do que palácios e eixos monumentais: carrega o suor de homens e mulheres que, mesmo sem ver seus nomes nos monumentos, moldaram a cidade com suas próprias mãos”, expressa o historiador do CEUB.