Artigo: A luta pela igualdade racial


    *Ernandes Macário

    Construir pessoas pelas suas historias parece fácil, mas na sua maioria é mais difícil do que se imagina. Neste mês de novembro poderíamos estar comemorando a construção de várias novas historias que se refletem no cotidiano de negros e negras deste país, agregado ao sofrimento de vários irmãos que se foram para que essa democracia fosse livre e de direitos iguais. Se o irmão Zumbi dos Palmares ainda estivesse entre nós, estaria triste, pois sua luta pela liberdade hoje dá espaço a um projeto individual de dirigentes que se vendem por espaços políticos engessados em governos vistos como democráticos e populares.

    Devemos lutar por mais espaços tanto nos governos quanto na sociedade. Nós negros estamos entrando mais uma vez no jogo sujo que o capitalismo nos inflige, limitando nossos espaços e tolhendo a nossa capacidade de pensar e de agir como se estivéssemos ainda subordinados aos senhores da Casa Grande.  Ainda serve como parâmetro, que o negro obediente pode ser promovido a capitão do mato e o que pensa é amarrado ao tronco e surrado até a morte, por se tornar uma ameaça intelectual.

    Vivemos no século XXI uma batalha racial. Sobretudo uma luta de classes imposta pelo capitalismo selvagem que assombra não só os negros, mas todos que lutam por  igualdade de direitos. Precisamos que os mais velhos possam nos impulsionar nesta luta para continuar vivendo. Que os negros da Academia voltem para base social e nos ensinem a sabedoria, como se fosse uma bula de remédio na busca da cura contra esse racismo perverso que tira de suas famílias jovens que só querem continuar a ter o direito de viver e sonhar.

    Pensando nesse sonho é correto dizer que avançamos muito, pois passamos de bandeira de luta para as ditas ações afirmativas, a exemplo das cotas e da lei 10.639/2003, que trata do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, que foram aprovadas por suas instâncias reguladoras para serem aplicadas pelos governos estaduais e municipais. Ainda penam na busca de metodologia na efetivação destas leis. A 10.639/2003 tem quase dez anos de existência e o próprio Ministério da Educação e as Secretarias de Educação estaduais e municipais buscam descobrir métodos que possa ser aplicados para além da formação de professores, ou seja, para chegar até os alunos. Mesmo que essa metodologia seja colocada em prática exitosamente por alguns poucos professores em sala de aula, ainda assim é desconhecida pelos dirigentes educacionais, por total falta de compromisso com o ensino da historia da real formação étnica do povo brasileiro, e também por não entrar na pauta de prioridade de planejamento dos secretários e dirigentes da educação.

    Como se não bastasse a não aplicação das leis, ainda precisamos lembrar e tomar muito cuidado com a questão de cotas para estudantes negros nas universidades públicas. Talvez essa seja mais uma lei que pode completar uma década na dificuldade imposta pelo sistema educacional na busca de metodologia para implantação. Talvez por falta de planejamento, monitoramento e avaliação de quem a aplica.

    Recentes pesquisas citam que os negros aumentaram sua renda, conquistaram uma grande fatia da classe média, estão inseridos no mercado de trabalho com carteira assinada. Nada mais do que lógico quando se fala da maioria da população. Só no Distrito Federal, somos 57% entre negros e pardos, segundo dados da Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal).

    Acredito que o instrumento de promoção da igualdade racial implantado em alguns governos é importante não só pelo fato de ser um espaço de poder, mas também um espaço ao qual o gestor possa ter empoderamento suficiente na implantação de politicas públicas que ultrapassem a transversalidade dentro e fora do governo. Essa parcela da população, mesmo citada nas estatísticas como maioria, ainda é tida como invisível por essa elite conservadora e de cultura europeia desconhecedora do nosso real valor na construção desta nação brasileira. Como canta a bela voz de Milton Nascimento: “Se muito vale o já feito, mais vale o que será”.

     

    *Ernandes Macário, 32 anos, é negro, gestor em recursos humanos, especialista em educação integral, cidadania e inclusão social pela UFRPE e ex-secretário adjunto de igualdade racial do Distrito Federal.

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