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    Artigo do Sec. Alírio Neto publicado no diário Correio Braziliense

    Crack, uma pedra no seu caminho

    Na década de 1960, o consumo de drogas viveu talvez seu momento mais épico. Associadas aos movimentos revolucionários, que pretendiam mudar o mundo e libertar as gerações futuras do imperialismo, as drogas tinham até então uma vertente romântica, associada ao bordão “Paz e Amor”, palavras de ordem do movimento hippie, em todo o mundo.

    Mas o tempo se mostrou cruel àqueles ideais, e principalmente ao modelo político-financeiro sonhado pela juventude da época. O capitalismo triunfou ano após ano. A globalização, o marketing e tantos outros fenômenos mundiais poderiam ser evocados para explicar as alterações ocorridas na composição química das drogas. Mas a principal lei de mercado, oferta x procura, é certamente a mais aceita.

    A mistura de ingredientes extras ao produto original, como colocar água no leite, ou bromato no pão — guardadas as devidas proporções, é claro —, exemplifica um expediente usado comumente pelos traficantes, conhecido como “batismo”. Esse procedimento que visa à multiplicação nos lucros tem proporcionado cada vez mais letalidade, na medida em que nossos jovens têm cheirado, fumado ou ingerido cada vez mais ácido sulfúrico, cimento, soda cáustica, cal virgem, entre outros ingredientes.

    Falamos de uma verdadeira guerra, que é ainda muito mais dramática do que a que vemos nas ruas, nos breves relances a que assistimos ao passar de carro e avistarmos as cracolândias. A exemplo do que lemos nos jornais, ou assistimos pela TV, sobre outras guerras, os bastidores são ainda incrivelmente mais dramáticos.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem números que apontam para a seguinte estatística: a cada 10 pessoas que se tornam dependentes químicos, quatro vêm a óbito, três ficam tendo recaídas e apenas três conseguem controlar o vício. Ainda segundo a OMS, a dependência química não tem cura e, sim, controle. Com base nesse e em outros estudos, podemos concluir que a recuperação é um processo dificílimo, tanto quanto oneroso para toda a sociedade. Por isso, o nosso foco maior tem que ser a prevenção, claro, sem desistir jamais dos dependentes químicos.

    A prevenção, a recuperação e a repressão são os três eixos utilizados no enfrentamento ao crack e a outras drogas. Durante muito tempo, se venerou a prática conhecida como “higienização”; pensava-se de forma simplista, e por vezes até hipócrita, que a retirada pela polícia dos drogados e dos mendigos das ruas dos centros das cidades representava o fim dos nossos problemas.

    No Brasil, ainda temos pouco material com confiabilidade científica capaz de embasar todos os estudos e projetos que precisamos produzir para fazermos frente a esse terrível mal, que não escolhe classe social, etnia, credo, gênero, não escolhe nada. É inevitável a comparação com a mítica Hidra de Lerna, o monstro que, na mitologia grega, fazia crescer duas cabeças a cada uma que Hércules conseguia decepar com sua espada, em Os Doze Trabalhos de Hércules.

    Varrer a sujeira para debaixo do tapete, tapar o sol com a peneira, esconder a cabeça como faz o avestruz, ou qualquer outro expediente dessa natureza, não são mais permitidos a ninguém, seja quem for. Na mesma medida que se sabe hoje da ineficiência de ações isoladas ou de sensacionalismos, sabe-se da impossibilidade de uma solução milagrosa, ou em curto prazo, para essa questão.

    Estamos diante de um problema de Estado. Os governos estão fazendo a sua parte, mas precisamos agir mais. Precisamos de pesquisas, estudos, projetos, recursos, especialistas, equipamentos, medicamentos, armas, pessoas, união, boa vontade, paciência, carinho, amor, diálogo. Diálogo, vamos começar por aqui. Dê o primeiro passo, converse com seu filho. Tenha com ele uma conversa franca, sem preconceitos, tranquila, sem pressa. Faça a sua parte!

    Impossível? Não, apenas difícil, como todo começo. Mas basta um olhar para o passado, que logo vem um alento. Vamos voltar no tempo pouco mais de 15 anos e rememorar que no Brasil éramos uma população com 55% de fumantes. Com políticas públicas acertadas, ações, campanhas institucionais, conscientização, hoje a média brasileira é de 17% de fumantes, sendo do DF a marca ainda melhor de 13% apenas. Todo esse esforço coordenado levou a uma coisa chamada “mudança de conceito”, que alterou o comportamento coletivo. O hábito de fumar era considerado elegante; hoje não é mais, ao contrário.

    Somente com a participação de todos teremos condições de enfrentar e vencer, ou pelo menos de manter sob controle, em níveis aceitáveis, o flagelo das drogas. Os bons resultados virão se agirmos de forma plena, coordenada, constante e integrada.

    A droga é um problema de todos. É um pacote misterioso que apareceu em nossa porta, e não adianta acharmos que ela está no endereço errado. É preciso enfrentar o problema com coragem e maturidade. É possível, sim, tirarmos essa pedra do nosso caminho.

    Autor: Alírio Neto
    Correio Braziliense – 04/03/2013
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