Carta aberta ao MPCDF e MPDFT: Pedaladas contábeis e improbidade administrativa no DF

Brasília (DF), 03/01/2016 - O Governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg concedeu entrevista exclusiva ao Metrópoles, quem conduziu a entrevista foram as repórteres Manoela Alcantara e Lilian Tahan - Foto, Michael Melo/Metrópoles

Para que não paire dúvida

AMIGOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO DF

A situação jurídica é a seguinte: a legislação distrital indica que o servidor público, quando afastado por mais de 15 dias para tratamento médico, passa a receber auxílio-doença. A legislação federal, de seu turno, diz que os valores recebidos a título de auxílio-doença são isentos da tributação a título do Imposto de Renda.

 

Para que não paire dúvida, a simples leitura dos dispositivos legais leva à tal conclusão.

 

Confira-se:

 

LCD 840/2011 – Art. 273. Pode ser concedida licença de até quinze dias para o servidor tratar da própria saúde, sem prejuízo da remuneração ou subsídio.

 

§ 1º A partir do décimo sexto dia, a licença médica ou odontológica converte-se em auxílio-doença, observadas as normas do regime próprio de previdência social do Distrito Federal.

 

§ 2º Aplica-se o disposto no art. 131 à licença médica ou odontológica apenas na hipótese de novo benefício concedido em decorrência da mesma doença.

 

LCD 769/08 – Art. 17. O RPPS/DF, gerido pelo Iprev/DF, assegura aos beneficiários que preencham os requisitos legais os seguintes benefícios:

 

Parágrafo único. O segurado pode renunciar a qualquer dos benefícios previstos neste artigo.

 

I – quanto ao segurado:

 

(…)

 

g) auxílio-doença;

 

LCD 769/08 – Art. 23. O auxílio-doença será devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho por mais de quinze dias consecutivos e consistirá no valor de sua última remuneração.

 

§ 1º Será concedido auxílio-doença, a pedido ou de ofício, com base em inspeção médica que definirá o prazo de afastamento.

 

§ 2º Findo o prazo do benefício, o segurado será submetido à nova inspeção médica, que concluirá pela volta ao serviço, pela prorrogação do auxílio-doença, pela readaptação ou pela aposentadoria por invalidez.

 

§ 3º Nos primeiros quinze dias consecutivos de afastamento do segurado por motivo de doença, é responsabilidade do Tesouro do Distrito Federal o pagamento da sua remuneração.

 

§ 4º Se concedido novo benefício decorrente da mesma doença dentro dos sessenta dias seguintes à cessação do benefício anterior, este será prorrogado, caso em que fica o Distrito Federal desobrigado do pagamento relativo aos primeiros quinze dias.

 

Lei 8451/92 – Art. 48. Ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos pelas pessoas físicas decorrentes de seguro-desemprego, auxílio-natalidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e auxílio-acidente, pagos pela previdência oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas entidades de previdência privada.

 

O Distrito Federal, através dos Procuradores do Distrito Federal, quando questionado sobre o tema diz que a remuneração dos servidores públicos afastados para tratamento de saúde é adimplida pelos cofres distritais e não pelo Instituto de Previdência local.

 

A Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade, ou seja, toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Na clássica lição de Hely Lopes Meireles, “enquanto os indivíduos no campo privado podem fazer tudo o que a lei não veda, o administrador público só pode atuar onde a lei autoriza.”

Ora, a legislação distrital determina que a partir do décimo sexto dia de afastamento as verbas salariais se convertam em auxílio doença e que sejam pagas pelo Instituto de Previdência do DF (IPREV-DF). Se tais valores estão sendo adimplidos pelo Distrito Federal, como diz a ilustre Procuradoria do DF, o pagamento está sendo feito ao arrepio da lei.

 

Note-se que quando do afastamento para tratamento de saúde, os servidores públicos do Distrito Federal não mantém a integralidade dos seus vencimentos. O ente federativo vale-se do artigo 62 da Lei Complementar 769/08 para expungir dos pagamentos que realiza diversas verbas. Confira-se o teor do mencionado artigo legal:

 

Art. 62. Entende-se como remuneração-de-contribuição o valor constituído pelo vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, dos adicionais de caráter individual ou outras vantagens, excluídas:

 

I – as diárias para viagens;

 

II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede;

 

III – a indenização de transporte;

 

IV – o salário-família;

 

V – o auxílio-alimentação;

 

VI – o auxílio-creche;

 

VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;

 

VIII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança;

 

IX – o abono de permanência de que trata o art. 45 desta Lei Complementar;

 

X – o adicional de férias;

 

XI – outras parcelas cujo caráter indenizatório esteja definido em lei.

 

O Distrito Federal aplica o artigo 62 da Lei Complementar 769/08, no que beneficia o ente estatal, mas, ardilosamente, deixa de aplicar a legislação no que tange à isenção tributária, pensada pelo legislador federal como uma forma de amenizar as perdas decorrentes do período de afastamento para tratamento de saúde, período em que, sabidamente, as despesas aumentam.

 

Note-se a má-fé do Distrito Federal ao interpretar as leis e ao faltar com a devida lealdade processual.

 

O ente federativo não pode assumir, fora nos casos expressamente previstos na legislação, despesas afetas ao IPREV/DF. A Constituição Federal destina um capítulo inteiro à Administração Pública, obrigando-a ao pleno respeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, dentre outros, conforme se vê no artigo 37 da Lei das Leis. A regra ainda é repetida no artigo 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

 

Pelo princípio da legalidade, a administração pública não pode se afastar dos limites traçados pela lei. Não pode, pois, adimplir despesas a que não está obrigada por força de ato normativo próprio e adequado. Assim, o servidor público afastado para tratamento de saúde por mais de 15 dias, diante do princípio da legalidade, recebe pelo IPREV/DF. Se houver ocorrência diversa dos limites aqui mencionados, há “crime fiscal” e, provavelmente, “crime de responsabilidade” por parte dos agentes públicos responsáveis pela ilegalidade.

 

A Lei 8429, de 2 de junho de 1992, a conhecida Lei de Improbidade Administrativa, preceitua, em seu artigo 4o, que “os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”. Diz ainda, no artigo 5o, que “Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”.

 

O artigo 10, Inciso IX da Lei de Improbidade, diz que “Constitui ato de improbidade de administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1o desta lei (…), notadamente (…) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”.

 

Não custa lembrar que são crimes de responsabilidade os atos que atentarem contra a probidade na administração, contra a lei orçamentária e a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, segundo a Lei 1079/50, a lei do impeachment.

 

O artigo 11 da Lei do Impeachment diz ser crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos ordenar despesas não autorizadas em lei ou sem a observância das prescrições legais relativas às mesmas.

 

Efetuar o pagamento de obrigações do IPREV, sem autorização legal para tanto, amolda-se com perfeição ao texto da lei, lembrando, ainda, que o artigo 74 da Lei 1079/50 determina a aplicação da Lei de Impeachment aos governadores dos estados e do Distrito Federal.

 

Logo, não é crível que o Distrito Federal esteja agindo ao arrepio da lei, levando à inexorável conclusão de que as verbas recebidas pelos servidores, quando do afastamento para tratamento de saúde, é o auxílio-doença e, portanto, isento do Imposto de Renda.

 

Ainda que assim não fosse, a torpeza do Distrito Federal, ao descumprir a legislação, não se presta de escusa à violação dos direitos positivados na legislação. Caso haja o descumprimento das leis, a posição do servidor público é de vítima e, diz a lógica, não faz o menor sentido que a vítima seja punida em nome de uma deturpação do princípio da prevalência do interesse público.

 

CONCLUSÃO

 

O Ministério Público de Contas e o Ministério Público do Distrito Federal, com urgência, devem apurar se o Distrito Federal, comandado pelo Governador Rodrigo Rollemberg, está realizando, ao arrepio da lei, pagamentos aos servidores públicos afastados para tratamento de saúde, quando tais pagamentos deveriam estar sendo realizados pelo IPREV/DF. Também deve apurar se os servidores públicos estão sendo lesados, tendo, indevidamente, descontados o Imposto de Renda. Comprovando-se os fatos, comprovar-se-á a presença de pedaladas fiscais e de atos de improbidade administrativa.

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