CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 2.299/1999 QUE TEVE DISPOSITIVOS REVOGADOS PELA LEI 5.423/2014

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01. Tendo em vista as controvérsias suscitadas acerca da aprovação do Projeto de Lei nº 2.036, de 2014, de nossa autoria, o qual propõe a revogação de dispositivos da Lei nº 2.299, de 1999, especificamente do inciso III e parágrafo único do art. 3º e do art. 4º, esclareço que a mencionada lei foi aprovada durante convocação extraordinária feita pelo então governador Joaquim Domingos Roriz, cujo item 8 da pauta tratava-se do Projeto de Lei nº 06, de 1999, que, nos dispositivos aqui mencionados, autorizavam o Chefe do Poder Executivo alterar por decreto toda a estrutura administrativa do Governo do Distrito Federal, incluindo as Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, bem como criar e extinguir unidades administrativas e cargos de natureza especial ou em comissão no âmbito do DF.

02. Duas emendas apresentadas à proposição sugeriam a supressão dos citados dispositivos; a de nº 1, de minha autoria; e a de nº 6, de iniciativa da Bancada do PT e do então deputado distrital Rodrigo Rollemberg. As referidas emendas findaram vencidas, pois os deputados da bancada governista, que formavam maioria nesta Casa, derrotaram as duas propostas que visam alterar o Projeto de Lei nº 6/99.

03. Por sua vez, a proposição de nossa lavra, aprovada no Poder Legislativo, qual seja o Projeto de Lei nº 2.036/2014, foi encaminhada à sanção do Senhor Governador Agnelo Queiroz, que sobre ela não se manifestou em tempo hábil, deixando a cargo do Presidente da CLDF a obrigação de proceder a competente promulgação, consoante determina o § 6º do art. 74 de nossa Lei Orgânica. O Presidente assim o fez, e converteu a propositura na Lei nº 5.423/2014.

04. Posso afirmar que de 1999 para cá não mudei o meu posicionamento com relação ao inciso III e o parágrafo único do art. 3º e ao art. 4º da Lei 2.299/99, e da mesma forma que tentei suprimi-los quando da sua apreciação nos idos de 1999, busco fazer o mesmo agora em 2014, por meio do PL 2.036/2014.

05. O governador eleito, Rodrigo Rollemberg, e membros de seu futuro governo, como o jornalista Hélio Doyle, entraram em choque com o atual Governador pelo fato dele não ter vetado o projeto de nossa autoria, afirmando que Agnelo Queiróz com sua atitude agiu de maneira hostil com relação ao governador que o sucederá. Hélio Doyle disse ainda em entrevista concedida ao DFTV que Agnelo “sabe da importância dessa autonomia, que todo governo tem de fazer isso [gerenciar cargos]. Ele, deliberadamente, quis prejudicar o início do governo Rollemberg sabendo, inclusive, que o governo quer reduzir custos e cortar secretarias”.

06. Devemos dizer que o nosso projeto não impede o governador de administrar corretamente a máquina pública, mesmo porque, ele tem a prerrogativa legal de convocar a Câmara Legislativa extraordinariamente para aprovar as suas propostas em janeiro, durante o período de recesso parlamentar, sem que isso implique em qualquer tipo de custo para os cofres públicos, visto que tais convocações não são mais remuneradas.

07. Outra, a nova lei, qual seja 5.423/2014, não atravanca qualquer ação do governo, ela apenas assegura o retorno das competências da Câmara Legislativa que foram surrupiadas ilegalmente pela Lei 2.299/99. O próprio Rollemberg combateu com toda firmeza o conteúdo do inciso III e parágrafo único do art. 3º e do art. 4º do Projeto de Lei 06/99, que após aprovado foi convertido na norma citada.

08. Para comprovar o que afirmamos, trago aqui a justificativa da Emenda nº 6 ao PL 6/99, de autoria da Bancada do PT e do então distrital Rodrigo Rollemberg, que propunha a supressão do art. 3º, o qual autoriza o Chefe do Poder Executivo a alterar, por decreto, toda a estrutura administrativa do Governo do Distrito Federal, incluindo as Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, bem como criar e extinguir unidades administrativas e cargos de natureza especial ou em comissão no âmbito do DF.

Vejamos o que escreveu e assinou Rollemberg:

“Atenção, esta é a mais abjeta aberração.

Nenhuma das medidas antes propostas se iguala em gravidade à presente. É a mais desbragada tentativa do Governador Joaquim Roriz de se apossar de poderes imperiais. É o desejo de ressuscitar o Decreto-lei ou de instituir por via reflexa o Projeto da Lei Delegada, vedada pela Lei Orgânica do DF. Enfim, é a tentativa de governar sem a participação do Poder Legislativo.

Se aprovada, vai permitir ao Governador do DF alterar, por decreto, completamente toda a administração do Distrito Federal, inclusive permitir a fixação de competência de órgãos ou entidades e, pasmem, vai permitir até a criação ou extinção de cargos públicos.

Enfim, trata-se de dispositivo inconstitucional que delega competência ao Governador para regulamentar, por decreto, matéria passível de tratamento apenas por lei.

O artigo 58, III e VII da Lei Orgânica do Distrito Federal estabelecem que apenas lei votada pela Câmara Legislativa e sancionada pelo Governador pode tratar de estruturação, fixação de competências de Secretarias, bem como a criação e fixação de atribuições dos cargos públicos.

Por outro lado, em esforço, o art. 71, § 1º da mesma Lei Orgânica determina que as leis para criação de cargos e fixação de atribuições bem como aquelas destinadas a estabelecer as atribuições e competências das Secretarias de Governo só podem ser iniciadas pelo Chefe do Poder Executivo.

Assim, é cristalina a conclusão segundo a qual o artigo que ora se propõe suprimir é flagrantemente inconstitucional, até porque representa renúncia de competência por parte do Poder Legislativo.

Por último, o mencionado artigo também afronta o art. 53 da Lei Orgânica do DF que veda a delegação de atribuições entre poderes, tudo para assegurar a necessária independência e autonomia entre eles.”

09. Quando submetido à apreciação dos Deputados Distritais em plenário, o PL 06/99, durante o processo de discussão, sofreu duras críticas daqueles que a ele se opunham, como foi o meu caso e do deputado Wasny de Roure. Mas, trago aqui a intervenção do então deputado Rodrigo Rollemberg sobre o tema:

“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é profundamente lamentável, mas fico imaginando as manchetes amanhã nos jornais locais – o Correio Braziliense e o Jornal de Brasília: “Câmara Legislativa é convocada extraordinariamente para extinguir as suas atribuições.”

Não sei se os Srs. Parlamentares se lembram o quanto foi penoso para esta cidade conseguir a sua autonomia política. Foi uma luta dura das representações sindicais, patronais e da população que foram às ruas exigir a sua Câmara Legislativa. Todos nós participamos de um processo eleitoral, defendendo propostas e posições para sermos Deputados Distritais. Pelo que vejo nesta Casa, parece-me que os Parlamentares não têm consciência do que estão votando. Estão abrindo mão de seus mandatos. O que vai acontecer é que esta Casa política, de debates políticos e de apreciação de leis vai se transformar numa “Casa de compadres”, que virão aqui para tomar chá e para receber seus salários no final do mês. É nisso que está sendo transformada a Câmara Legislativa. Fico abismado porque, a cada votação, uma atribuição desta Câmara é perdida. Por que razão? Em benefício de que? Eu sinceramente não consigo entender.

É claro que qualquer país democrático precisa ter interdependência e autonomia entre os Poderes para que possa exercer seu poder fiscalizador. Mas o que vemos é esta Câmara Legislativa abrindo mão de suas atribuições.

Faço um alerta aos Deputados que se encontram em primeira legislatura, porque os Deputados veteranos já exerceram mandatos anteriormente e talvez por isso, estejam cansados de exercê-los: V.Exas. estão abrindo mão de seus mandatos, estão dando todas as prerrogativas para o Sr. Governador.”

10. O projeto, em que pese as posições contrárias da oposição, findou aprovado pela maioria formada pela bancada de situação no dia 13 de janeiro de 1999, quarta-feira, às 17 horas e 25 minutos. Porém, quando da declaração de voto solicitada por diversos parlamentares, principalmente daqueles que se opuseram aos dispositivos citados do PL 06/99, disse o senhor deputado Rodrigo Rollemberg inconformado e ao mesmo tempo revoltado em sua declaração:

“Sr. Presidente, ao término desta sessão, V.Exa. pode mandar incinerar todos os exemplares de Lei Orgânica do Distrito Federal que existem nesta Casa. Procurarem na biblioteca, nos gabinetes, porque não servem mais para nada.

Esta Lei Orgânica não serve mais para nada, porque em dois dias esta Casa pisou, amassou, rasgou e agora só falta incinerar.

A Lei Orgânica é muito clara. Eu fico impressionado com a passividade dos colegas Deputados em não perceber e autorizar uma coisa tão esdrúxula como a que estamos votando. Está muito claro nas atribuições da Câmara Legislativa, no art. 58, inciso VII, a criação, estruturação e atribuições de secretarias do Governo do Distrito Federal e demais órgãos e entidades da administração direta.

É um absurdo o que está acontecendo aqui. Vários Parlamentares estão abrindo mão de seus mandatos e isso é vergonhoso.”

11. Algumas dúvidas, diante de tudo o que aqui foi exposto, precisam ser esclarecidas por Rollemberg:

1º) quando da tramitação e aprovação do PL 6/99 que deu origem a Lei 2.299/99, foi dito na justificativa da Emenda nº 6, que o art. 3º da propositura outorgava poderes imperiais ao então governador Joaquim Roriz e que se tratava da mais abjeta aberração, essa não é mais a posição defendida pelo governador eleito, autor da referida emenda?

2º) deixaram de ser inconstitucionais os dispositivos que delegam competência ao Governador para regulamentar, por decreto, matéria passível de tratamento apenas por lei?

3º) ao manter em vigor tais dispositivos da Lei 2.299/99, os Deputados Distritais não estão mais abrindo mão de seus mandatos e passando todas as suas prerrogativas para o Sr. Governador?

4º) será que se mantidos os dispositivos “condenáveis” da Lei 2.299/99, esta Casa política, de debates políticos e de apreciação de leis não vai se transformar numa “Casa de compadres”, que virão aqui para tomar chá e para receber seus salários no final do mês, como dito pelo então deputado distrital e atual governador eleito do Distrito Federal?

12. Não vou aqui discorrer sobre a incineração de nossa Lei Orgânica defendida por Rodrigo Rollemberg em sua declaração de voto quando da aprovação do PL 06/99, porque sou contra qualquer atentado contra a nossa Carta Magna local, além de ser um crime. Não é crime rasgar a própria história não é crime, mas esse tipo de postura fere a dignidade, lança dúvidas sobre os objetivos propalados, sobre a jornada anunciada. É triste.

13. Mas não é triste saber que diante do silêncio do Senhor Governador acerca da sanção do PL 2.036/14, coube ao Presidente desta Casa Legislativa, deputado Wasny de Roure, promulgar a norma, que recebeu o nº 5.423/2014. Porém, volta a ser triste a postura do Ministério Público local, que sequer aguardou publicação da Lei no Diário Oficial do Distrito Federal, como é exigido legalmente, e impetrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do DF, sob a alegação de vício de iniciativa.

14. Acontece que não há vício de iniciativa com relação a norma questionada, visto a mesma buscar o cumprimento do art. 84, inciso VI da Constituição Federal, bem como do art. 53, § 1º e o 58, inciso III da Lei Orgânica do Distrito Federal, nada mais que isso.

15. Sobre esse tema, em recente julgamento da ADI 2013.00.2.026654-2, impetrada pelo mesmo Ministério Público, com relatoria a cargo da eminente Desembargadora Carmelita Brasil, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu, pela unanimidade de votos, caçar os efeitos de parte do parágrafo único, do art. 9º da Lei nº 5.141, de 2013, especificamente da expressão “…e de outros ajustes necessários na estrutura de órgãos e entidades”. A lei mencionada trata da criação da Fundação Universidade Aberta do Distrito Federal e a expressão, que foi suprimida pela Justiça, autorizava o GDF a proceder ajustes necessários na estrutura de seus órgãos e entidades sem ouvir o Poder Legislativo.

16. No seu voto, a Desembargadora Carmelita Brasil, diz claramente que “o art. 84, VI da Carta Magna, veda ao Presidente da República editar decreto que implique em aumento de despesa e criação e extinção de órgãos públicos, norma que deve ser aplicada também a este Ente Federado por força do princípio da simetria”, no que foi seguida pela unanimidade dos demais votantes.

17. Vejamos então com age o Ministério Público: alhures diz que editar decreto que implique em aumento de despesa e a criação e extinção de cargos e órgãos públicos é inconstitucional, noutra sorte desfaz o que disse, alegando ser legal a interferência do Poder Executivo nas atribuições constitucionais do Poder Legislativo.

18. Isso nos leva a crer que qualquer lei para o MP tem dois pesos e duas medidas, ou seja, que uma mesma norma possui maneiras diferentes de ser aplicada. Senão vejamos: a edição de decreto que implique em aumento de despesa e a criação e extinção de órgãos públicos prevista na Lei nº 2.299/99 é constitucional, mas a mesma previsão na Lei 5.141/2013 não é; como explicar isso?

19. Não há vício de iniciativa na Lei nº 5.423/2014, tendo em vista que o trato de matérias que impliquem em aumento de despesa e criação e extinção de órgãos públicos deve se dar por meio de lei e não de decreto, fora isso é disfunção de tese, é torcicolo jurídico.

20. Na Sessão Ordinária nº 42/2014, realizada no último dia 02/12, o TJDFT ao julgar a ADI 2014.00.2.012846-3, declarou inconstitucional, pela unanimidade de votos, o Decreto 32.418/2010 do GDF, que criou diversos cargos em comissão, como cargos de chefia, direção e assessoramento superior para a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Em seu voto, o relator desembargador Cruz Macedo foi claro ao dizer que o decreto padece inconstitucionalidade formal, pois a reestruturação pretendida deveria se dar por meio de lei ordinária, acrescentando “O governador invadiu a competência da Câmara Legislativa do DF.”.

21. Observem que esse é o julgado mais recente sobre o tema. Ele só faz reforçar a inconstitucionalidade do inciso III e do parágrafo único do art. 3º, além do art. 4º da Lei 2.299/99.

22. Nunca antes o MPDFT havia impetrado com uma ADI no TJDFT contra uma lei inexistente do ponto de vista formal, pois para ter a sua vigência assegurada uma norma local, seja ela uma lei, um decreto, uma portaria, uma ordem de serviço, etc., deve obrigatoriamente ser publicada no Diário Oficial do Distrito Federal, coisa que só ocorreu no dia 1º de dezembro com relação a Lei 5.423/2014. O MPDFT estava, não se sabe porque, tão apressado em buscar a inconstitucionalidade para a norma que usou a publicação no Diário da Câmara Legislativa, o que aconteceu no dia 28/11/2014.

23. Acredito que a Desembargadora Simone Lucindo, que votou pela inconstitucionalidade do Decreto 32.418/2010, manterá a mesma postura firme na condição de relatora da ADI e julgará constitucional a Lei 5.423/2014, que busca, no mesmo sentido, evitar que o Governador invada competência da Câmara Legislativa, mesmo porque, até a edição da Lei 2.299/99, a criação e a extinção de cargos e órgãos públicos se dava por meio de lei ordinária, conforme determinam a Constituição Federal (art. 84, VI) e a Lei Orgânica do Distrito Federal (art. 58, III).

Alírio Neto

Deputado Distrital

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