Democracia sem povo: Bancada dos parentes cresce na política

Estudo realizado na UnB flagra a força das famílias no sistema democrático brasileiro

POR WELLITON CARLOS DA SILVA – DIARIO DA MANHÃ

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) que analisou a linhagem de 983 deputados federais eleitos entre 2002 e 2010 concluiu: a política brasileira é cada vez mais “oligárquica” e tradicional. …

 

O estudo sugere que ocorreu um crescimento de 10,7% no número de parlamentares herdeiros de políticos. Ou seja: filhos e parentes estão aumentando cada vez mais nas esferas políticas do país.

 

O fato pode parecer insignificante, um mero capricho das famílias e questão de cunho privado, mas revela as estratégias adotadas para que grupos familiares e mesmo ‘bandos’ partidários se perpetuem usufruindo os poderes de estado. Ter os poderes nas mãos significa usufruir dos recursos que ele tributa e arrecada – o que, convenhamos, é muita coisa.

 

Em última instância, todas as leis, todos os recursos, todas as ações do país estariam nas mãos de famílias tradicionais da política, que já ocupam a metade das cadeiras da Câmara dos Deputados.

 

Os deputados com sobrenome costumam entrar na política através de facilidades e raramente prestígio próprio ou qualidades pessoais. De imediato, eles herdam a estrutura política: lugar de destaque nos partidos, ‘faturas’ e acordos do passado a serem pagos e não raro muito dinheiro para gastar na campanha.

 

David Fleischer, professor de ciência política da UnB, afirma que a eleição de herdeiros faz parte da política tradicional brasileira. Para ele, a mudança só ocorreria com a modificação do sistema eleitoral.

 

Na atualidade, o voto é nominal. E o leitor tem o poder de votar na pessoa, mesmo que para isso ele precise se articular dentro de um partido. Com a introdução das listas fechadas, entretanto, seria possível mudar a realidade favorável aos filhinhos da política.

 

As ‘panelas’ não se resumem apenas aos grupos familiares. “Nos rearranjos familiares, muitas vezes, a família percebe que é preciso formar bandos partidários. Assim, uma das estratégias destes grupos é exatamente retirar os parentes da cena. Entretanto, ao longo de toda uma vida, o político acaba por representar várias famílias. Geralmente, um deputado morre e entra o filho na vaga”, diz Antônio Carlos de Souza, professor da PUC, pesquisador do sistema eleitoral no Centro-Oeste.

 

Quem chega à política com um sobrenome não costuma inovar. E faz pior: a ideia é manter patrimônios. Pela lógica, o filho entra no sistema, mas pouco progride. E quanto mais inconsistente, portanto, mais dramática sua manutenção.

 

Um dos casos mais emblemáticos e recentes diz respeito ao ex-governador Joaquim Roriz, do Distrito Federal. Nas eleições de 2014, a família tinha pelo menos oito nomes para disputar as eleições. O clã político testou o eleitorado de diversas formas, mas viu seu poder se reduzir a um representante.

 

Sem poder tentar a reeleição, por conta de uma condenação de improbidade administrativa, a filha Jaqueline Roriz tentou eleger o filho/neto, que foi candidato com o mesmo nome do avô, o ex-governador do DF. E para não deixar dúvidas de que usam os atributos da família como principal arma, ele ainda por cima utilizou o mesmo número eleitoral da mãe impugnada.

 

A família fracassou nas urnas com a eleição de uma só representante para a Câmara Distrital e não apresenta mais perspectivas de retorno à vida pública, pois o Roriz pai aos poucos se despede dos debates públicos. E o neto tem revela grande inabilidade – o que corrobora a tese de que geralmente os filhos são inferiores em currículo e desempenho.

 

Em Goiás, em melhor situação, o clã Abrão tem hoje seu auge como família de destaque: ocupam cargos em diversas esferas, como o deputado federal Marcos Abrão Roriz (PPS), sobrinho da senadora Lúcia Vânia (PSB), que, por sua vez, é esposa do ex-governador Irapuan Costa Júnior e irmã do ex-deputado federal Pedrinho Abrão, que optou em se afastar da política e se dedicar à vida empresarial. Ana Carla Abrão – a filha – é secretária da Fazenda do Governo de Goiás. E a bolsa de especulações já analisa qual seria o cargo a ser ocupado por ela em um futuro não muito distante.

 

Com influência semelhante na política goiana, os Vilelas conseguiram na última semana o comando do partido mais tradicional do estado. O PMDB nunca esteve plenamente nas mãos da família, mas agora será um desafio.

 

Daniel Vilela é o presidente da sigla e tem pela frente inúmeros planos: estruturar o partido, convencer Iris a disputar as eleições para prefeito de Goiânia e concorrer ao governo em 2018. O pai é o prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela, que tem também as vagas de senador e até mesmo de governador para ocupar. Outro integrante do clã, o ex-deputado federal Leandro Vilela, pode ser candidato à prefeito de Jataí, cidade estratégica para o partido vencer o governo em 2018.

 

Em Goiás, o deputado federal Marcos Abrão Roriz (PPS) é sobrinho da senadora Lúcia Vânia (PSB), que tem outras ligações familiares

 

Da mesma forma, no Brasil, José Sarney e Roseana Sarney fixaram seus nomes na política passando o poder de pai para filha

 

Ex-presidente dos EUA George W. Bush, cujo pai (de mesmo nome) também foi presidente, é irmão de Jeb Bush, ex-governador da Flórida

 

DEMOCRACIA SEM POVO

Conforme Luis Felipe Miguel, que coordenou a pesquisa da UnB, a regra deveria ser outra na política. Ele afirma que no processo democrático o certo seria uma maior participação da população – o que, de fato, não ocorre. Quanto mais se flagra a concentração do poder, maior também a exclusão dos movimentos sociais, de classes sociais e de outros matizes de agrupamentos profissionais e intelectuais que deveriam contribuir para uma política plural.

 

Em artigo científico sobre a democracia domesticada, Luis Felipe Miguel mostra que existe um discurso dominante de que a política deve ser deixada aos mais aptos, aos que podem conduzir as massas. Esse discurso passou até mesmo pela mente de grandes pensadores, que sistematizaram teorias para deixar o governo com as famílias e personalidades poderosas das comunidades.

 

O grande problema é que tais ideias vingaram até a ordem estamental medieval. Com o liberalismo clássico, que flerta com a democracia, tal concepção soava absurda frente ao princípio de que todos são iguais perante a lei. Hoje, a propagação desta espécie de política elitista forma também uma democracia fechada, onde as disputas ocorrem entre velhos grupos conhecidos, enfim, uma democracia sem povo.

 

Política como empreendimento

Luis Felipe Miguel, autor da pesquisa da UnB que avalia a presença de familiares na política, acredita que o modelo atual favorece aos familiares em detrimento de um avanço nos aspectos sociais. Política passa a ser “empreendimento”, na medida em que a família tira sustento de sua estrutura.

 

Neste modelo, as propostas e o discurso interessam menos. O que impera é a herança dos currais eleitorais. As políticas públicas e obras são realizadas, mas a reboque dos interesses familiares dos agentes públicos.

 

A perversidade das famílias na política, portanto, seria constatada pela conclusão de que a imensa maioria dos seguidores familiares não superam os pais em ações e fazem pior: fecham as portas do sistema democrático.

 

Um dos casos mais clássicos em Goiás é a transferência do cargo do ex-deputado federal Armando Vergílio, cacique do SD em Goiás, para o filho Lucas Vergílio (SD), que ocupa uma cadeira de deputado federal. Há um ano no posto, ele não surpreendeu até agora o eleitorado – sendo um exemplar típico da nova política familiar brasileira, que superou apenas as antigas oligarquias.

 

MELHOR EXEMPLO

A ONG Transparência Brasil afirma que 44% dos políticos encontrados na Câmara Federal são parentes. Conforme a pesquisa, o caso do Rio Grande do Norte é emblemático: 100% dos oito deputados eleitos se encaixam no perfil das pesquisas da Transparência Brasil e no estudo da UnB.

 

O mais interessante, todavia, é que as dificuldades democráticas do Brasil se reproduzem na esfera internacional. Da mesma forma que no país de Roseana e José Sarney, Iris Rezende e dona Iris, Flávia e George Morais, as elites se organizam em outros continentes tendo em vista o controle de quem entra e sai da política.

 

As eleições americanas demonstram bem isso: Hilary Clinton tenta ocupar uma presidência que já foi do marido, que teve como crítico o republicano George W. Bush, cujo pai (de mesmo nome) também foi presidente dos EUA. E irmão de Jeb Bush, ex-governador da Flórida. Como se vê, é um problema maios do que o Brasil para as modernas teorias democráticas resolverem.

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