Emprego no Senado: O fantasma de Rollemberg

O cargo do candidato socialista no Senado, recebido como um presente em 1980, é questionado do ponto de vista ético e por uma ação judicial. O caso já virou seu maior problema para o segundo turno

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Rodrigo Rollemberg: O emprego antigo traz dilema moral

Em 1980, o jovem Rodrigo Rollemberg, então com 20 anos, gostava de jogar bola entre os blocos residenciais da quadra 206 Sul. Durante a brincadeira, selou uma amizade com os filhos do ex-senador Augusto Franco — um poderoso cacique sergipano que morava no prédio ao lado — e, por tabela, ganhou de presente um emprego público. “Avisa ao seu pai que tem vaga no Senado. Vê se ele vai querer”, ofereceu Franco. “Eu quero, sim”, adiantou-se Rollemberg.

Um mês depois do diálogo, o rapaz assumiu um posto de trabalho no setor de pessoal. Naquela época, tal prática de fisiologismo era comum em Brasília. Só na família do atual candidato socialista ao governo, ele mais dois irmãos entraram pela porta dos fundos no Senado Federal. O mais velho, Armando Sobral Rollemberg, chegou a ser contratado à revelia. “Assim que soube, pedi exoneração e, em 1998, fiz concurso público e passei”, conta. Rodrigo Rollemberg e seu outro irmão, José Eduardo, acabaram efetivados por atos da mesa diretora da Casa…
Hoje, mais de trinta anos depois, esse privilégio tornou-se o grande fantasma da campanha do líder de intenções de voto ao GDF — e seu maior problema para o segundo turno. Especialistas acreditam que o caso, com implicações éticas e jurídicas, dominará esta etapa da corrida eleitoral nos debates e na televisão. “A única questão que desabona o candidato do PSB é mais moral do que legal. Como passa pelo campo da ética, e a cidade ainda está voltada para o serviço público, esse assunto vai render”, prevê o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UnB). Um dos maiores conhecedores de marketing político do país, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Gaudêncio Torquato também vislumbra dificuldades no caminho do postulante ao Buriti. “O ideal seria que ele abdicasse do antigo cargo e liberasse a vaga para um servidor concursado. Dependendo do discurso com o qual anunciaria a exoneração, ele ainda sairia elogiado”, acredita. Tal solução, na verdade, já foi cogitada no comitê do socialista. O temor geral, porém, é transmitir a ideia de que Rollemberg manteve uma função irregular por mais de três décadas. Professor de ética e filosofia política, Alberto de Barros, também da USP, aponta falha de conduta quando um governador mantém emprego público sem concurso. “O Brasil vive uma fase em que ética e moral estão em pauta o tempo todo. Um dilema como esse dá munição aos adversários”, avisa

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E realmente seus oponentes não perderam tempo. O primeiro a provocar Rollemberg com o tema foi Agnelo Queiroz (PT), que sempre lembra, com orgulho, sua condição de servidor público concursado do GDF. Quando ele trouxe o caso à tona, em um debate no dia 2 de setembro, o político do PSB se defendeu com a afirmação de que era corriqueiro ser contratado sem prova de seleção na década de 80 — argumento sustentado até o momento (veja entrevista no final da matéria). De fato, tratava-se de prática comum. Mas, desde aquela época, essa regalia já carregava uma conotação ilegal. O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei nº 1 711/1952) e o decreto-lei federal nº 200, de 1967, conhecido como Lei do Concurso Público, proíbem a nomeação de servidores sem seleção por meio de prova. Há ainda outros dois instrumentos que deixam claro o caráter provisório da contratação de Rollemberg pelo Senado em 1980. A sua carteira de trabalho exibe um carimbo que informa o status inicial de prestador de serviços celetista, ou seja, regido pelas normas da CLT. Já a sétima cláusula do contrato profissional sustenta que ele não poderia, em tempo algum, ser enquadrado como servidor efetivo da Casa.

Dois anos depois de bater seu primeiro ponto, no entanto, com 22 anos e sem curso superior, o socialista foi beneficiado por um ato (21/1982) da comissão diretora do Senado. Dela, faziam parte os senadores Jarbas Passarinho, Itamar Franco e Gilvan Rocha —esse último amigo e conterrâneo do seu pai, o ex-deputado federal sergipano Armando Leite Rollemberg. Com apenas uma canetada, a mesa promoveu à condição de funcionários públicos concursados 171 pessoas que haviam entrado pela janela. Ao ser questionado sobre se a sua admissão no Senado havia tido algum tipo de influência política do pai, na época ministro do Tribunal Federal de Recursos, hoje Superior Tribunal de Justiça, Rollemberg admitiu que sim. “Sem dúvida. Naquela ocasião havia muita oferta de empregos públicos e não existia concurso, já que a primeira seleção ocorreu em 1982.” Ou seja, no mesmo ano em que foi efetivado por um ato político, Rollemberg poderia ter se submetido a uma seleção pública.

Os atos da mesa do Senado que davam estabilidade aos funcionários da Casa eram manobras escusas, algumas secretas, para beneficiar parentes e amigos de políticos. Ficaram conhecidos pelo nome de trem da alegria. O maior deles, assinado em 1984 pelo então senador capixaba Moacyr Dalla — e que passou a ser chamado de Trem Dalla —, virou um escândalo nacional por efetivar, de uma só vez, 1 554 funcionários da Gráfica do Senado. Entre os passageiros estavam a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), o deputado distrital candidato à reeleição Agaciel Maia (PTC) e até um filho de Dalla, Ricardo Rezende. Na tentativa de acabar com essa farra das contratações, o advogado Pedro Calmon Mendes entrou com uma ação popular em 1985. O processo pedia a perda do status de efetivos e a readmissão como celetistas de todos os servidores do Senado contratados sem concurso. O juiz federal Bruno César Apolinário acatou o pedido em 2012. Na mesma sentença, contra a qual ainda cabe recurso, o magistrado fez uma solicitação para o setor de recursos humanos da Casa. Queria o nome de todos os funcionários da instituição que ganharam estabilidade por atos políticos na década de 80. Se o Senado já tivesse fornecido tal lista, o nome de Rollemberg estaria nela.

Apesar de já ter sido deputado distrital e federal e de estar em pleno mandato de senador, Rollemberg não abre mão das vantagens que o antigo e polêmico cargo no Senado lhe oferece. Quando está ativo na folha, ele ganha 30 000 reais por mês. É um salário maior do que qualquer outro que teve em sua vida. A função também lhe dá o direito de se aposentar recebendo ordenado integral, como já ocorre com seu irmão José Eduardo. Nem todos da família Rollemberg, porém, conquistaram facilmente a tão desejada estabilidade de emprego. Luciana, de 27 anos, sobrinha do candidato do PSB, é concurseira veterana. Já assumiu cargos no Ministério Público da União e no Tribunal Superior Eleitoral. Como seu sonho sempre foi o Senado, a jovem participou de seleção pública no ano passado e tomou posse na instituição em maio. “Na época que estudava para concurso, tive de abrir mão da vida pessoal e até de empregos na iniciativa privada”, lembra Luciana. Sem dúvida, ela é um exemplo a ser seguido.

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Casa de ferreiro, espeto de pau

O postulante defende seleção pública para ingresso em seu governo, mas não dispensa benefícios profissionais obtidos sem concurso

Se eleito governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB) garante que vai reduzir os cargos comissionados e acabar com o apadrinhamento político. Só será admitido no quadro técnico quem fizer concurso público. Servidor efetivo no Senado, ele próprio nunca passou por esse tipo de seleção. Para se defender dessa aparente incoerência entre discurso e prática, o político usa a Constituição Federal.

O senhor entrou no Senado por indicação política. Seu irmão Armando Rollemberg ingressou na Casa da mesma forma. Só que ele se desligou da instituição e voltou concursado. O senhor não pensou em seguir esse exemplo?

Eu entrei no Senado aos 20 anos, como celetista (com carteira assinada), na função de agente administrativo. Era como se eu fosse um office-boy. Dois anos depois, todo mundo foi efetivado, inclusive eu. Ocorreu tudo dentro da lei, já que não havia exigência de concurso público naquela época. A Constituição de 1988 referendou a minha efetivação. Portanto, tudo se deu de forma legal.

Como defensor do concurso público, o senhor diz que em seu governo não haverá contratações sem prova de seleção. Não existe aí uma incoerência entre discurso e prática, já que o senhor mesmo nunca passoupor esse tipo de crivo?

Absolutamente. Foi um avanço da Constituição obrigar o ingresso no serviço público somente por meio de concurso. Eu mesmo defendo regras mais claras e segurança jurídica para garantir a contratação de todos que são aprovados.

Mas o senhor mesmo impedeo ingresso de um servidor concursado no Senado, já que, como funcionário efetivo da Casa, acaba congelando uma vaga ao se licenciar.

Essa é a mesma situação dos milhares de servidores públicos em todo o país que se licenciam para disputar uma eleição.

Já que o senhor não fez concurso público, está licenciado há mais de dez anos e tem grandes chances de ser o próximo governador do DF, não passa pela sua cabeça abrir mão desse posto de trabalho?

Se a população me eleger governador, eu continuarei licenciado do Senado. Se o povo não renovar o meu mandato, voltarei a trabalhar como servidor efetivo da Casa.

Especialistas em ética dizem que o correto seria o senhor pedir exoneração.

Essa é a opinião deles; não a minha.
Fonte: RevistaVeja. Por ULLISSES CAMPBELL. Ilustração: Kacio Vianna. Foto Foto: Roberto Castro

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