ENTREVISTA O vigilante da política

Fundador do PT e da CUT, Chico Vigilante (PT) segue em seu 4º mandato na defesa dos trabalhadores, acompanhando sempre de perto o GDF
Tiago Monteiro Tavares
SANDRO ARAÚJO

Sindicalista representante da categoria dos vigilantes, Chico Vigilante (PT) foi fundador da Associação dos Vigilantes do DF, posteriormente transformada em sindicato, sendo presidente entre 1984 e 1990. Em 1991, tomou posse como deputado federal, reeleito em 1994, alcançando o posto de mais votado no DF naquela ocasião. Em 2002, foi eleito deputado distrital, com atuação concentrada nas áreas de segurança, saúde, defesa do consumidor (CPI dos Combustíveis), educação, ocupação do solo e moralização do Poder Legislativo. Ficou sem mandato entre 2007 e 2010 e retornou à CLDF na atual legilatura ( 2011-2014).

O senhor é vigilante por ofício. De que forma começou a se interessar por política? Quando tomou a decisão de se candidatar?

Eu entrei na política na fase de redemocratização do Brasil. Em 1979, fizemos a primeira greve dos vigilantes, eu, o Lula e diversos companheiros que iniciaram naquela época, a gente tinha raiva de política, achava que quem a operava era tudo um bando que não valia nada e que isso não servia para nada. Quando nós começamos a fazer as mobilizações trabalhistas, esbarramos na legislação. Tudo o que íamos fazer tinha lei sobre greve, lei contra manifestações e etc. Aqui em Brasília, só eram permitidas essas reuniões em dois locais: o ginásio Cláudio Coutinho e a Praça das Fontes, no Parque da Cidade. Para fazer qualquer encontro era preciso de autorização das autoridades. Começamos a ver que tinha lei e que elas eram votadas no Congresso Nacional, através dos políticos. Decidimos, então, fundar um partido, o Partido dos Trabalhadores.
O PT é primeiro e único partido da minha vida. Dele, sou fundador, como ajudei a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), e nele permanecerei sempre. A partir do momento que entramos na política, nós não passamos a ser profissionais da política, mas a utilizamos para fazer as transformações sociais necessárias no Estado brasileiro. O PT deu uma enorme contribuição para que isso acontecesse. Quando os trabalhadores passaram a se mobilizar politicamente, deixaram de ser simples cabos eleitorais e passaram a ser os personagens da história. Só conseguimos eleger Lula presidente porque entramos na política. Eu não teria sido deputado federal por dois mandatos e distrital também por duas legislaturas se não aceitasse a política, e devo isso ao PT. Portanto, a política é a única ferramenta de transformação que conheço. Fico muito feliz quando vejo uma autoridade da relevância do Papa Francisco chamar as pessoas para que participem da política. Muitas vezes, a pessoa reclama dos políticos, mas, quando se apura seu voto, vê-se que ela votou no que tinha de pior. A política é uma coisa boa, mas não pode ser para favorecer o político eleito.
Após 4 mandatos, qual a maior experiência que o senhor adquiriu para seguir motivado a ser deputado?
Quando fui eleito deputado federal e tomei posse, no dia 15 de fevereiro de 1991, a primeira coisa que eu fiz foi por na minha cabeça: “não sou deputado, estou deputado”. O que eu sou mesmo é vigilante. Todo dia, quando me levanto, penso, respiro e lembro disso. No dia em que eu pensar que sou deputado, vou começar a fazer de tudo para continuar deputado e a política não pode ser o jogo do vale tudo. Ao me eleger, disse que queria dar vez e voz à quem nunca tinha tido. Meu primeiro pronunciamento da Tribuna da Câmara dos Deputados foi uma denuncia das condições subumanas em que os copeiros e funcionários da limpeza viviam dentro do Congresso Nacional. Levei para a Tribuna o alimento de uma funcionária, que tinha seis filhos e passava necessidades, e sua refeição era farinha e três torresmos. Quando subi a Tribuna com o saquinho de farinha, calei o Congresso. Fiz um contraponto aos bonitos discursos de deputados que queriam mudar o mundo, e lembrei que, se nós não conseguimos mudar a realidade dos funcionários da Câmara, quem dirá conseguir mudar o mundo; fui manchete nos principais jornais. Me orgulho de ter mudado isso. Aquela foi a primeira vez que os deputados pararam para ouvir alguma coisa.
Quando fui falar de mortalidade infantil, mandei fazer um caixãozinho, parecidos com os que meus irmãos foram enterrados na roça. Da Tribuna, apresentei os dados da mortalidade infantil e perguntei quem iria pegar na alça desse caixão. Eu sou da roça, pobre, vi um irmão morrer consumido pelos vermes. Depois disso, sempre utilizo símbolos quando quero falar de alguma coisa, isso agrega mais valor ao discurso, é muito forte. Outro caso que me marcou foi ter denunciado o descaso com os órgãos públicos. Levei uma lista com órgãos da previdência apontando aberrações como o aluguel do então Banco Econômico, que alugava uma loja por 1 cruzeiro à época.
Meu mandato de deputado federal foi uma trincheira permanente na defesa dos trabalhadores e, meu mandato como distrital, tem sido uma luta constante de defesa dos interesses dos menos favorecidos no DF. O que me anima a continuar na política é verificar que, através dela, é possível a gente fazer a transformação na vida das pessoas. Nada me anima mais do que ver o Sol Nascente com avanços, superando aos poucos a situação de total descaso dos governos com aquela comunidade. Portanto, ver o governo Agnelo dando dignidade aquelas pessoas me motiva a seguir na política, pois é para isso que ela serve: transformar a vida das pessoas. Eu, que vivi a vida inteira andando de ônibus, ao saber que estamos entregando novos veículos e pondo fim as empresas exploradoras, fico muito animado.

Quais são as maiores conquistas e as maiores derrotas que o senhor contabiliza?

Não quantifico a vitória pelo números de pessoas atendidas, mas, quando você ao Sol Nascente e as obras de infraestrutura, quando chego na Ceilândia e vejo o complemento da iluminação onde falta, a própria licitação dos ônibus, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) que o governo Agnelo tem implementado, essas são as vitórias que conquistamos e estou auxiliando o governador na Câmara Legislativa a colocar isso em prática. Estamos ajudando na transformação da Educação, com a “gestão democrática”, e isso é o mais fundamental. As vitórias vão vindo no dia-a-dia, assim como as derrotas, mas essas eu prefiro não comentar. As vitórias e as derrotas na política não são pessoais, todas são coletivas e uma derrota representa atraso para a sociedade.
A lei nº 4.636/2012, que retém os direitos trabalhistas dos servidores terceirizados para um fundo que assegura o pagamento desses direitos aos trabalhadores, é um grande orgulho. E a luta de mais de 20 anos que acabo de conseguir realizar é o adicional de periculosidade de 30% aos vigilantes e seguranças de todo o País. Isso já estava sendo feito no DF, por meio de convenção coletiva, mas será lei agora. Assim, esses trabalhadores poderão ter um plano de aposentadoria com 25 anos de serviço. Outra lei minha, que tenho lutado para ser implementada, é o direito a espaços dignos destinados aos empregados domésticos, que vivem enfiados em qualquer canto. Estou acionando as autoridades para que o disposto na lei autoria seja aplicado o quanto antes.

O senhor é um dos maiores interlocutores entre o Buriti e a Câmara Legislativa. Os deputados se queixam dessa relação entre o Executivo e Legislativo. Como o deputado encara essas queixas e avalia essa relação?

Primeiro, sou contra a política do “toma lá da cá”, pois a política não pode ser uma troca. Quando era deputado federal, o governador do DF era Joaquim Roriz e eu era oposição, mas nós sabíamos separar a oposição dos interesses maiores do DF. Éramos eu, o Jofran Frejat, o Augusto Carvalho e alguns outros. Me lembro que acertamos não apresentar nenhuma emenda individual ao orçamento, todas seriam coletivas. Para isso, fomos ao governador Roriz ouvir quais seriam as maiores necessidades do DF e chegamos a um acordo do governador indicar a metade das emendas e, nós, a outra metade, tudo dentro do interesse do próprio governo. Hoje, faço a mesma coisa com o governador Agnelo Queiroz. não quis indicar pessoas ou receber cargos, apenas busco o bem da coletividade e atender aos pleitos da sociedade. Quando levamos uma indicação a ele para iluminar um trecho, para fazer a drenagem e etc, isso é a relação que queremos. Temos que acabar com a política do favorzinho. Precisamos profissionalizar o Estado brasileiro e empreender uma cultura da prestação de contas de qualquer agente público.

A mobilização por parte da Mesa Diretora em colocar os deputados no Plenário para apreciarem os projetos tem sido grande, contudo, a dificuldade é ainda maior. O que fazer para que os parlamentares fiquem no Plenário?

As pessoas têm a memória curta. Desde o começo da Câmara Legislativa, nos anais da Casa, temos o escândalo dos “Anões do Cerrado”, que, segundo a imprensa à época, eram deputados que recebiam mesada para votar projetos de interesse do então governador Joaquim Roriz. Depois, diversos outros escândalos nesse sentido abalaram a Casa. Hoje, temos um governador humilde, simples, mas que tem autoridade. Não se tem notícias de nenhum caso de compra de votos nessa gestão. O Executivo respeita os parlamentares e os ouve e nós respeitamos o governador. As coisas são feitas as claras, antigamente, os deputados se reuniam escondidos e até viajavam para articular votos.
Até mesmo os deputados de oposição respeitam o governo. Por exemplo, a deputada Liliane Roriz (PRTB), toda vez que os projetos são relevantes para a população, está lá para dar quórum e votar o que é importante. Portanto, é esse o papel que queremos do parlamento. Não existe imposições do Executivo e nem dos parlamentares. Agora, que existe problemas e queixas, existem, e a dificuldade em dar quórum também vai continuar acontecendo. O importante é que, sempre que o assunto é de interesse, conseguimos aprovar.

Qual o desafio que ainda resta ao senhor neste final de mandato?

Eu tenho um grande desafio: continuar colaborando para que todas as questões do Distrito Federal sejam atendidas, principalmente os condomínios de baixa renda, como o Porto Rico, o Itapoã, Arapoanga, o Sol Nascente, o Pôr do Sol, enfim, dotar esses condomínios de infraestrutura e saneamento básico. Outro desafio é agregar mais segurança à população e melhorar as condições do transporte público. O meu grande sonho é aprovar o projeto que libera os postos de combustíveis em shoppings e supermercados, que acaba com cartéis e tem expectativa de diminuir 10% o valor do combustível.

Essa sua batalha dos postos de combustíveis é antiga. O senhor conduziu a CPI dos Combustíveis em outra legislatura, como avalia essa questão hoje?

Aquela CPI foi um dos momentos mais sublimes da CLDF. Até hoje ela dá resultados. Os preços nas bombas, por exemplo, não subiram mais porque a população está mobilizada. Na época, derrubamos o preço de R$ 2,37 para R$ 1,99, e tivemos deflação nos quatro meses subsequentes e servimos de exemplo para outros Estados, que passaram a coibir os cartéis do combustível. Essa é uma área muito propícia para se formarem esses grupos que levam prejuízo aos consumidores. Por isso, se não tivesse duas ações judiciais, que limitam o percentual do lucro dos postos em 15%, o litro da gasolina, hoje, estaria quase a R$ 4. Esse ainda é um benefício da CPI dos Combustíveis. Continuamos na batalha para tentar aprovar esse projeto tão essencial.
O senhor é um dos parlamentares que mais ocupa a Tribuna da Casa e também costuma pautar temas nacionais e não regionais. Isso é uma influência da sua ligação partidária com o PT?

Vivemos em mundo globalizado. Somos a capital da sexta economia do mundo. Portanto, a Câmara Legislativa não é uma Câmara de Vereadores. Precisamos debater todos os assuntos, inclusive os temas nacionais e internacionais e a valorização do parlamento. Quando falei a questão da espionagem americana, fui o primeiro parlamentar a tocar no assunto, depois, a questão se espalhou. Fica claro que tenho uma visão maior na preocupação com os temas de interesse direto da população. Precisamos estar sintonizados e não nos apequenar diante aos debates. Ulysses Guimarães dizia que, quem pensa pequeno, age pequeno e se anula. Eu jamais vou me anular.

Como o senhor avalia os dois governos do PT no DF? O momento atual de sintonia entre o governo local e o federal ajudou na atual gestão? E a visão junto a população?

Faço questão de ressaltar a sabedoria que tivemos de unir, no DF, o PT e o PMDB. Nossas diferenças ideológicas foram superadas pensando no bem maior de apresentar mudanças à população. Essa unidade entre Agnelo e Filippelli foi fundamental para esse momento de desenvolvimento. Lamento que pessoas, como meu querido amigo senador Cristovam Buarque (PDT/DF), não tenham compreendido esse momento político que estamos vivendo, assim como o senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), os quais deveriam ter dado as mãos e ajudado nesse momento de desenvolvimento da nossa cidade. Sob o governo da presidenta Dilma e a condução do governador Agnelo Queiroz, o DF nunca foi tão favorecido. Só na época da construção da cidade tivemos um índice de investimentos tão alto, e é isso que faz a aliança vitoriosa: levar mais desenvolvimento aos cidadãos.

A Casa passa por um momento difícil com as pautas de cassação de alguns parlamentares. Como lidar com essa situação e fazer com que a Câmara não tenha um desgaste ainda maior de credibilidade?

Vejo com muita tristeza esse momento da Câmara Legislativa. Podíamos estar com uma pauta mais propositiva e de maiores debates. Esses fatos aconteceram em outra legislatura, mas, infelizmente, sobrou para essa a tarefa de punir aqueles que tiverem problemas. Cabe a nós darmos a resposta que a sociedade quer, oferecendo amplo direito para as pessoas se defenderem e, quando chegar ao Plenário, cada um votará de acordo com sua consciência. Fico muito triste em ver uma pessoa como o deputado Benedito Domingos (PP), que é muito conhecido e respeitado pelo segmento dele, vivendo essa situação aos 83 anos de vida. Sempre digo que não ajo pensando em voto, mas de acordo com minha consciência. Muitas vezes, sabemos que vamos perder voto ao assumir uma posição, mas seria demagogia agir de forma diferente pensando em não perder o apoio da população.

Após ter sido deputado federal e distrital, como fica a eleição do ano que vem? Será candidato a reeleição? Não pensa em seguir novos rumos?

Nós estamos em um processo de reconstrução do Distrito Federal. Desde que assumimos o governo, recebemos um caos político e administrativo nos serviços públicos, com incapacidade de fazer investimentos e contrair dívidas. Ainda estamos nesse processo de reconstrução. Eu, humildemente, quero seguir como deputado distrital, caso a população acredite que sou digno de representá-la novamente, exatamente para ajudar na reeleição do governador Agnelo e atingirmos um patamar de inovação a partir desse processo de reconstrução. Estou deputado mas, caso não consiga ser eleito novamente, volto a ser vigilante.

Com a prisão dos petistas envolvidos com o Mensalão, como o senhor avalia a situação partidária e os efeitos eleitorais que o caso pode gerar? Há desunião de alas do partido e até da presidente Dilma?

A defesa dos companheiros que estão presos deve ser feita pelo partido, já a presidenta deve se manter de fora disso. O PT cometeu um erro, que foi praticar o jogo de financiamento da política como os outros faziam. Ele fez o que os outros fizeram durante séculos, que é reunir “caixa dois” para campanha eleitoral, e que vão continuar fazendo, pois não conseguimos criar mecanismos para escapar disso. Nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, querem levantar isso contra o partido, o que é pura demagogia. Não há nada mais obscuro que prestação de contas de campanha eleitoral. Na eleição passada, fiquei como um dos parlamentares que mais gastaram na campanha, R$ 500 mil, enquanto outros apareceram com R$ 100 mil, o que não dá para fazer uma campanha vitoriosa. Ou seja, prestei contas de tudo, enquanto outros não prestam contas de quase nada. Na verdade, fui um dos que menos gastei. Daí a necessidade do financiamento público de campanhas. Com relação aos companheiros presos, penso que a maior vergonha de um homem é a falta de solidariedade com o próximo. Em uma passagem bíblica, Cristo disse: “fui preso e não me visitaste, estive doente e não recebi solidariedade”. Portanto, o mínimo que pode se prestar a um preso é essa solidariedade e eu vou continuar fazendo isso de forma aberta, sem me esconder. Não se abandona um amigo no meio da estrada. Nessas horas, vemos quem são os verdadeiros amigos.

Fonte: Jornal Alô

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