EX-PRESIDENTE DA OAB: “INTERFERÊNCIA JUDICIAL NA CÂMARA DO DF É INDEVIDA”

Deu em O Correio Braziliense de hoje: 31/01/2010:  O escritório do advogado Reginaldo de Castro há um quadro que registra um momento histórico da política brasileira. Em 1º de setembro de 1992, Castro é um entre vários colegas liderados pelo então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère, que, de braços dados, percorrem a pé a Esplanada dos Ministérios para entregar o pedido de impeachment do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello no Congresso Nacional.
Oito anos depois, outro escândalo político de repercussões nacionais ameaça tirar do poder o governador José Roberto Arruda (sem partido). Ele é apontado em inquérito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) como participante de um suposto esquema de corrupção envolvendo deputados distritais e empresas contratadas pelo governo. Mas, pelo menos por enquanto, o advogado que ganhou notoriedade nacional ao presidir a OAB entre 1998 e 2001 não estaria no front para pedir o afastamento de Arruda.
Para Reginaldo de Castro, a diferença entre o caso de Collor e o de Arruda é que ainda faltariam provas substanciais e conclusivas contra o governador. “No caso de Collor, o pedido de impeachment ocorreu após a revelação do cheque utilizado na compra do Fiat Elba da primeira-dama. No caso de Arruda, depositam toda a confiança em um delator sem nenhum compromisso de dizer a verdade%u201D, afirma o advogado.
Em entrevista ao Correio, Reginaldo de Castro, que compõe os quadros de conselheiro federal da OAB, defende a permanência de Arruda até uma decisão definitiva da Justiça ou da Câmara Legislativa sobre o afastamento. “Antes disso, quem sofre com a falta de espaço para a governabilidade é a sociedade, que está insegura com toda essa situação.” Para o advogado, a Justiça errou ao decidir pelo afastamento do cargo de presidente da Câmara Legislativa de um dos principais alvos da crise, o distrital Leonardo Prudente (sem partido).

Ele também se posicionou contra a determinação judicial que proibiu os deputados citados no inquérito da Caixa de Pandora de participarem dos processos de impeachment. “O juiz puxou um rabinho na lei. Disse que a legislação foi omissa e criou ele próprio uma regra. Legislou por conta própria, o que é insustentável”, considerou o jurista sobre a orientação da Justiça de convocar os suplentes para julgar os pedidos de impedimento contra Arruda. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia as decisões da Justiça de afastar Leonardo Prudente da presidência da Câmara e proibir que os distritais citados no inquérito da Caixa de Pandora participassem do processo de impeachment de Arruda?
Com todo o respeito aos juízes, acho que ambas as decisões cometem erro muito grande. Acredito que foi uma interferência absolutamende indevida no Legislativo, porque isso é uma questão intramuros. Imagine você se alguém pedisse a um juiz de primeiro grau, na época da crise do Senado, liminar para afastar o presidente Sarney do cargo? Ele estava sendo acusado naquela época, havia uma série de acusações e a imprensa toda fortalecia terrivelmente tudo aquilo. A mesma coisa no caso de Renan Calheiros. Eles poderiam ter sido afastados como foi o presidente da Câmara Legislativa, porque os fundamentos são os mesmos, as garantias constitucionais são as mesmas. Será que estamos criando uma realidade boa? Não. O sistema normativo, a ordem jurídica no Brasil está sendo seriamente ameaçada com decisões dessa natureza.

Mas o presidente da Câmara Legislativa é um dos pivôs da crise. Mantê-lo no cargo não comprometeria todo o processo de apuração das denúncias?
É um juízo de valor que a própria pessoa tem de fazer. Isso, infelizmente, é a nossa Constituição e a forma que o constituinte adotou para que a democracia brasileira fosse consolidada.

O senhor acha que seria o caso de se repensar a lei?
A legislação não é algo imutável. Acho que a lei atende às necessidades do meio social onde ela foi criada. À medida que se sentir a ausência de instrumentos legais capazes de aperfeiçoar o sistema, a lei deve ser ajustada. O que não dá para aceitar é uma decisão na qual o juiz enfrentou obstáculos intransponíveis com a ideia de que o objetivo maior era manter a ordem jurídica. Mas esta ordem jurídica tem caminhos próprios, que não passam pela proposição de ação civil pública, ineficaz contra o mandato legislativo. O mandato é diferente da função pública pura, ou seja, o funcionário público que comete um crime de peculado, por exemplo, está sujeito a ação civil pública, mas o detentor de mandato político só pode ser afastado nas hipóteses constitucionalmente previstas. Em sua justificativa, o juiz alega que a lei é omissa no caso de impedimentos parciais. A lei não é omissa. A perda de mandato está prevista em determinadas hipóteses e o suplente só assume quando o titular perde o mandato ou quando há afastamento do parlamentar. O juiz puxou um rabinho. Disse que, na verdade, a lei foi omissa e criou ele próprio uma regra. Legislou por conta própria, o que é insustentável.

As revelações trazidas pelo inquérito 650 do Superior Tribunal de Justiça apontam um esquema criminoso entranhado no governo e no Legislativo. Os supostos envolvidos no escândalo não são os verdadeiros responsáveis por ferir as condutas legais?
Certa vez, o próprio governador Arruda me perguntou o que ele deveria fazer para ter uma atuação nacionalmente reconhecida. Eu disse a ele que deveria fazer o que nenhum governo faz, cumprir a lei. E de fato esse governo conseguiu fazer algumas coisas fundamentais para a cidade; tirou as invasões, nunca mais tivemos novos condomínios ilegais em Brasília. A rodoviária ficou livre daquela aglomeração terrível de pessoas que se reuniam não só para ganhar a vida legalmente, mas criminalmente também. Houve uma limpeza na praça de Ceilândia, além de um conjunto de obras de extrema importância. Atitudes que demonstraram que a ordem pode coexistir com a liberdade das pessoas. Isso deixou a cidade entusiasmada e nos fez reviver aquele momento inicial da construção da capital, com a sinalização de que estavam definitivamente em desuso as práticas antigas, clientelistas, que sempre assistimos na cidade. Por isso, considero tudo o que ocorreu na política desde o fim do ano passado um pesadelo. De repente, a gente viu se esvair toda essa esperança.

As denúncias de que integrantes do alto escalão do governo participaram de um esquema de corrupção com entranhas no Legislativo não colocam essa gestão elogiada pelo senhor a perder?
Penso que as denúncias foram feitas indevidamente. Tudo parte de uma pessoa, de um único ser humano que se mostrou extremamente comprometido. De um lado está a palavra deste delator (Durval Barbosa), que é tomada pelo Ministério Público, a polícia e o Judiciário sem que ele tenha nenhum compromisso de dizer a verdade. Nenhum depoimento neste país merece credibilidade se não com compromisso de que se diga a verdade, sob pena de o delator responder a um processo criminal. O depoimento dele foi sem compromisso, ele fala o que quer. E o que é pior: a delação premiada é tida e regulamentada para a delação do criminoso em desfavor de quem cometeu os crimes com ele. E quais são os crimes que o delator cometeu? Os crimes todos foram praticados durante o governo passado, os processos a que ele responde e pelos quais seguramente será condenado são fatos ocorridos anteriormente. Ele poderia fazer delação premiada com relação a esses crimes e não a fatos sem nenhuma relação com os acontecimentos passados. Portanto, essa delação premiada sofrerá uma séria restrição da defesa do governador Arruda e de todos mais envolvidos porque não tem amparo legal.

O senhor acha que Arruda está sendo injustiçado?
Não estou aqui defendendo o governador Arruda. Ele tem os advogados dele e eu não faço parte desse grupo. O que eu defendo é que Brasília não sofra mais com esse episódio. Esse governo deve ser mantido até o momento em que houver uma decisão judicial ou da Câmara Legislativa, até que haja um julgamento do processo de impeachment e o governador seja afastado. Não é possível a gente continuar com a cidade nessa situação de depredação absoluta.

A que tipo de depredação o senhor se refere?
Vou dar um exemplo. Esse processo do VLT (veículo leve sobre trilhos) que o Tribunal (TJDFT) embargou, meu Deus do céu, que coisa louca. Não tem sentido paralisar uma obra daquelas, um orçamento monumental, a juros baixíssimos a serem diluídos em oito anos. É um retrocesso. A questão da venda dos terrenos para o funcionalismo público (embargada pela Justiça), tenho vários amigos que estavam interessados em comprar os lotes de 100m². Paralisar essa licitação é um absurdo. Tudo isso tem um custo social imenso. As pessoas estão mais inseguras. Todo mundo está com receio de perder o emprego. Acho que nós devemos ter juízo, um pouco mais de equilíbrio.

E o que é ter juízo na opinião do senhor?
Há um mandato político deferido pelo voto popular e esse mandato só pode ser finalizado com uma decisão judicial transitada em julgado ou por meio de processo da Câmara Legislativa. Penso que o movimento da imprensa coloca no inconsciente coletivo uma figura que ainda não existe, a do condenado, do culpado. O mesmo direito que assegura a liberdade de expressão é aquele que assegura também que ninguém será considerado culpado antes da sentença transitada em julgado.

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