INVESTIGADO NO STF Sebastião Alves dos Reis: Ministro do STJ é suspeito de vender decisão que livrou assaltante

Uma semana depois de manter prisão e após advogada pedir “boa vontade” a ele, Sebastião dos Reis mandou soltar suspeito de roubo de carga

POR FILIPE COUTINHO E TALITA FERNANDES/FOTO: AGÊNCIA SENADO –

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Sebastião Alves dos Reis é investigado pela Procuradoria-Geral da República pela suspeita de vender uma decisão que soltou um acusado de participar de uma das maiores quadrilhas de roubo de cargas do país. O inquérito, de número 3.645, corre em grau máximo de sigilo no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria da ministra Rosa Weber, desde abril de 2013. De tão sigilosa, a investigação da PGR nem sequer aparece no sistema do Supremo. …

 

Fontes do caso disseram à ÉPOCA, sob condição de permanecer no anonimato, em razão da natureza sigilosa da investigação, que o inquérito se encaminha para a fase final. A PGR já produziu provas, mas os investigadores ainda precisam tomar alguns depoimentos. A depender das evidências colhidas nos próximos meses, a PGR decidirá se denuncia o ministro – ou se arquiva o caso. O portal jurídico Jota havia revelado, na semana passada, a existência de um procedimento no Supremo no qual o ministro era o investigado.

 

O caso começou em 2012, por acaso. A Polícia Federal investigava um grupo suspeito de roubar cargas em diversos Estados, sobretudo Goiás e Tocantins. Batizada de “Piratas do Asfalto”, a operação corria na vara criminal da nanica Colinas, a 270 km de Palmas. O caso, apesar de ser da Justiça do Tocantins, foi investigado pela PF porque o grupo atuava em mais de um estado. Foi quando os policiais encontraram indícios sobre vendas de decisões do Superior Tribunal de Justiça e remeteram o caso à PGR. A principal suspeita é a advogada Kárita Renaud Frazão, que atua em Brasília e Goiás. Ela foi flagrada em conversas telefônicas com investigados. O processo investigado pela PGR é o Habeas Corpus 243.074, que trata da soltura de Cleonor Avelino, preso em flagrante em Goiás por participar de roubo de uma carga estimada em R$ 1 milhão. Kárita é a advogada dele. O pedido de liberdade foi protocolado no STJ em 22 de maio de 2012, e distribuído por sorteio ao ministro Sebastião Reis. Em dois dias, o ministro negou o pedido. Ele argumentou do ministro que, naquele momento, não era possível fazer uma análise mais “aprofundada” e, também, que a denúncia não parecia ser inepta.

A advogada Kárita Frazão disse aos criminosos que “resolveria” a questão da prisão (Foto: Reprodução)

 

“Boa vontade”

Logo em seguida, no dia 25 de maio, a advogada Kárita entrou com um pedido de reconsideração no STJ. Rogou que o ministro tivesse mais “boa vontade” com seu cliente. “Todo o material juntado aos autos foi produzido ou pelo Estado acusador ou pelo Estado-Juiz. E é ai que está evidenciada a arbitrariedade que vem sendo suportada pelo paciente, e que certamente cessará quando houver um pouco de boa vontade quanto à leitura do acervo probatório”, escreveu Kárita.

Primeiro, o ministro nega a decisão em caráter liminarPrimeiro, o ministro nega a decisão em caráter liminar

No dia 31 de maio _ uma semana depois da primeira decisão _ Sebastião Reis mudou seu entendimento e mandou soltar o suspeito. Se antes o ministro havia dito que não cabia uma analise “aprofundada” numa liminar, na segunda decisão Reis fez uma leitura mais detida do caso, citando a jurisprudência do STJ. “Especificamente quanto ao paciente, [a decisão questionada] não trouxe nenhum fundamento acerca da existência dos pressupostos autorizadores da segregação preventiva, não sendo ele sequer mencionado no trecho em que o julgador passou a analisar os requisitos”, escreveu o ministro, ao mandar liberar o investigado.

Uma semana depois, o ministro atende o pedido da defesa e reconsidera sua própria decisãoUma semana depois, o ministro atende o pedido da defesa e reconsidera sua própria decisão

Menos de duas semanas depois de ser solto, Cleonor Avelino foi flagrado pela PF atuando em parceria com o grupo investigado na Piratas dos Asfalto. Numa mensagem de texto, ele repassava a um interlocutor de apelido “Batata” os códigos de televisões roubadas. Cleonor Avelino voltou a ser preso pela PF um ano depois de Sebastião dos Reis soltá-lo. Segundo as investigações, Cleonor era um dos organizadores dos assaltos. Sua função era revender a carga. Segundo as provas do caso, Cleonor atendia por quatro alcunhas (Nonô, Zeca, Douglas e Farid) e usava dois CPFs e dois RGs. Hoje, ele é réu na ação penal que corre em Colinas. Kárita, por sua vez, chegou a ser grampeada pela PF na operação Piratas do Asfalto, em razão de sua “estreita relação” com o grupo. Ela tenta anular essas interceptações. Não conseguiu na segunda instância e, agora, aguarda uma decisão no STJ. O Habeas-corpus, que está sob sigilo, será julgado pela sexta turma do STJ. O ministro Sebastião é um dos integrantes.

Imagem da prisão em flagrante de Cleonor Avelino. Depois, ele foi solto pelo STJ e voltou a ser preso pela PF (Foto: Reprodução)

Procurado, o ministro disse que não teve acesso ao inquérito do Supremo. Sebastião Reis afirmou ainda que não tem qualquer tipo de relação com Kárita _ assim como sua mulher, que também é advogada. Sebastião Reis afirmou que ficou sabendo do caso pela imprensa, com “indignação e tristeza”. “Espero que a investigação avance e se aprofunde com celeridade, o que demonstrará a improcedência desta suspeita”. Segundo levantamento de seu gabinete, o ministro recebeu a advogada na véspera da segunda decisão, tomada em 31 de maio de 2012. “Ressalto que as audiências são marcadas mediante solicitação prévia ao gabinete e tenho por hábito receber todos os advogados que a requerem. Acrescento, ainda, que recebo cerca de 50 advogados por mês”, disse o ministro.

 

Sebastião Reis disse também o pedido de reconsideração provocou o exame de um fundamento que ele não havia abordado na primeira decisão. “A defesa demonstrou que a decisão que decretou a prisão não observou, como impõe a jurisprudência do STJ, a necessidade de individualização da conduta do paciente”, disse. O ministro defendeu ainda a legitimidade de mudar suas decisões. “Não é a primeira decisão que reconsidero e não será a última. Tenho por princípio rever minhas decisões quando verifico qualquer equívoco nas mesmas. Isso é natural. É preciso entender que eventuais erros em votos e sentenças prejudicam o cidadão (jurisdicionado) e comprometem todo o funcionamento da Justiça”, disse o ministro. “Importante ressaltar que o Ministério Público, devidamente intimado, não recorreu da decisão”, completou.

 

Procurada, Kárita afirmou que nunca esteve pessoalmente com o ministro. “Nesta ação, fui advogada por pouco tempo, tendo renunciado à procuração ainda no curso do julgamento, em 23 de agosto de 2012”, disse. “Nunca despachei com o ministro e não o conheço pessoalmente”, completou. Em relação ao conteúdo das gravações da Piratas do Asfalto, Kárita Frazão diz que as interceptações são ilegais. Ela afirmou, ainda, que não tem conhecimento do inquérito no Supremo. “Qualquer outro esclarecimento demandaria de minha parte maior análise das circunstâncias de eventual gravação de conversa telefônica a qual, sendo ilegal, ainda pende de julgamento em ação que movo”. Cleonor Avelino não foi localizado.

 

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