Luiz Estevão conta: Inventário de 20 anos de corrupção

Em gravações feitas o ex-senador conta sobre verbas recebidas de empresários envolvidos com CPI, remessas ilegais para o exterior e negociatas

POR HELENA MADER E ANA VIRIATO – CORREIO BRAZILIENSE –

 

As conversas entre Luiz Estevão e a deputada distrital Liliane Roriz (PTB) revelam segredos de mais de duas décadas de atuação do senador cassado no submundo da política de Brasília. No áudio, entregue ao Ministério Público Federal, há menções à captação de recursos com empresários envolvidos em CPI, dinheiro transportado em malas, e remessas ilegais para contas no exterior. Sem saber que estava sendo gravado, o empresário, atualmente preso na Papuda, faz revelações sobre negociatas com o ex-governador Joaquim Roriz e licitações fraudadas a fim de beneficiar empresas de seu grupo.

 

Além de confessar que tinha conhecimento da origem ilícita dos recursos captados por Gim Argello com empreiteiras investigadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, Luiz Estevão abre o jogo sobre outros esquemas. O empresário dá a entender à distrital Liliane Roriz que ajudou o pai da parlamentar a receber e distribuir recursos ilegais. Estevão conta bastidores da CPI do Orçamento, em 1993.

 

“O cara que pagava as coisas, era um cara da Camargo Corrêa chamado Galo. O Galo que levava a mala de dinheiro para o seu pai. Aí, seu pai me chama e diz: ‘O Galo não vai mais poder trazer o dinheiro porque está com medo da Polícia Federal fazer uma batida. Eu precisava que você começasse a receber esse dinheiro e distribuísse esse dinheiro pra mim’. Eu falei ‘tá bom’. Aí, resolvemos problema de conta fora do Brasil”, revelou Luiz Estevão.

 

O senador cassado também conta para Liliane uma coincidência que o ligou novamente ao escândalo do orçamento. Pouco antes de conquistar o direito de cumprir pena no regime aberto, Estevão passou uma temporada na Papuda. Ficou na mesma cela de José Carlos Alves dos Santos, delator do esquema da década de 1990, também condenado pela morte da mulher, Ana Elizabeth Lofrano. “Sabe aquele cara que matou a mulher e enterrou? Nos últimos 15 dias, eu fiquei preso junto com ele, e ele ficou lembrando das histórias da CPI do Orçamento”, explicou o ex-senador. “Ele era um dos caras implicados na CPI. Se apaixonou por outra, a mulher descobriu e ameaçou contar tudo. Ele levou para um restaurante, mandou abrir uma garrafa de champanhe, para os garçons verem o tanto que ele era carinhoso, saiu de lá, simulou um sequestro, e ajudou os caras a matarem”, relembrou Luiz Estevão.

 

Conchavo

A CPI investigou, entre 1993 e 1994, o esquema conhecido como Anões do Orçamento. No arranjo, políticos criavam emendas e destinavam parte dos valores a contas bancárias de empresas e entidades sociais fantasmas. O conchavo contemplava ainda acertos com empreiteiras, que pagavam propina para participar da execução de grandes obras públicas.

 

O escândalo surgiu após a delação de José Carlos Alves dos Santos. Entre as autoridades citadas, estava Joaquim Roriz, cujo nome apareceu em um emaranhado de denúncias envolvendo contas fantasmas, testas de ferro, laranjas, obras superfaturadas, verbas suspeitas, acertos com construtoras e compra de apoio do Legislativo local.

 

Em depoimento, José Carlos afirmou que o ex-governador teria comparecido à casa de João Alves, idealizador do esquema, acompanhado por alguns deputados, a fim de realizar acertos no orçamento da União. Roriz teve os sigilos bancário e fiscal quebrados. A investigação resultou na descoberta de dois depósitos suspeitos nas contas do político. À época, Joaquim Roriz declarou que o repasse de U$S 1,6 milhão era fruto de atividades empresariais e os U$S 150 mil decorriam da venda de 500 cabeças de gado. Outro ponto marcante das investigações concentrou-se na descoberta do depósito de valores para sete deputados distritais entre 1989 e 1992. De acordo com Roriz, as transações consistiam em empréstimos pessoais. Os repasses de U$S 7,6 mil foram realizados pelo então capataz de uma das fazendas do ex-governador, Valdivino Pinheiro. Como justificativa, o ex-político alegou que o homem tinha dinheiro em conta para administrar os negócios rurais.

 

Apesar dos indícios de irregularidades, a CPI livrou Joaquim Roriz. Apesar disso, o relatório final das investigações descreve que Roriz tinha movimentações financeiras incompatíveis com seus rendimentos, omitia parte dos bens à Receita Federal e que muitas denúncias não foram apuradas por falta de tempo.

 

Além das menções à CPI do Orçamento, Luiz Estevão fez dezenas de outros relatos sobre as relações com o ex-governador Joaquim Roriz para tentar demonstrar à deputada como havia colaborado na carreira política do pai dela. “Meu pai te ajudou muito, né, Luiz?”, questionou Liliane, que ouviu uma forte negativa. “Fui eu quem sempre ajudei o seu pai”, afirmou o ex-senador. “Quem bancou a eleição dele de 1990? Mais da metade, fui eu. Fui, inclusive, o tesoureiro da campanha dele. Na hora H, grandes parceiros não bancaram”, garantiu.

 

Metrô

Outro esquema mencionado nas conversas entre Liliane e Estevão é a construção de estações do metrô. Nas gravações, o empresário revela que negociou com o ex-governador Joaquim Roriz a fim de ser beneficiado nas obras milionárias. Para ter a garantia de que ficaria com todas as estações de Ceilândia, Luiz Estevão diz ter oferecido em troca ajuda a Roriz em uma negociação com o governo federal.

 

Segundo ele, em 1993, a União repassava de forma antecipada parte dos recursos para pagamento da folha de pessoal. Como eram tempos de inflação alta, o governador deixava o valor aplicado até a data de depósito do salário aos servidores e, com isso, ganhava até R$ 20 milhões por dia. Joaquim Roriz queria aumentar de 18% para 80% o repasse realizado no dia 10 de cada mês, e Luiz Estevão se comprometeu a ajudar nas negociações com o governo federal. “Seu pai ficou na maior empolgação: ‘Faz isso que eu te dou todas as estações de Ceilândia do metrô’”.

 

Segundo Luiz Estevão, ele conseguiu a mudança nas regras para beneficiar Roriz, mas o então governador não lançou as obras do metrô, como teria sido prometido. Seis anos depois, em 1999, ainda na gestão Roriz, o chefe do Buriti ordenou o serviço para a empreitada. Estevão ficou revoltado por ter sido preterido e partiu para a pressão. “Peguei todos os carros novos e usados que eu tinha na minha concessionária e coloquei no centro do canteiro das estações de Ceilândia”, relembra. Depois disso, conseguiu um encontro com Roriz e passou a cobrá-lo sobre o cumprimento do acordo firmado no passado. Ao todo, seriam feitas cinco estações na Ceilândia. “Ele me pediu para abrir mão de uma, eu disse ‘não tem jeito, o senhor fez esse compromisso’. Mas resolvemos o negócio. Eu abri mão da estação 25 para o Paulo Octávio, que fez um consórcio com o Marcinho e com o Adalberto Valadão. Era a maior estação, a Hélio Prates. Tudo bem, mas não foi o que ele tinha me prometido”, relatou Estevão a Liliane.

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