MINISTÉRIO PÚBLICO ACUSA GDF DE PREJUDICAR PACIENTES HEMOFÍLICOS

Do Correio Braziliense

O Ministério Público do Distrito Federal, por meio da Promotoria de Justiça da Defesa da Saúde (Prosus), e o Ministério Público Federal acusam o governo do DF de deteriorar a estrutura do tratamento ofertado a pacientes hemofílicos. Na semana passada, os órgãos ajuizaram na Justiça Federal uma ação contra o GDF em que afirmam que as mudanças promovidas no atendimento desde o início da gestão de Agnelo Queiroz (PT) comprometem a oferta da profilaxia primária, procedimento de recomposição do fator coagulante que impede sangramentos espontâneos.

No início de fevereiro, a Secretaria de Saúde transferiu o local de entrega da medicação do Hospital de Apoio para a Fundação Hemocentro. A pasta também promoveu o recadastramento dos pacientes, sob a alegação de que não havia no Hospital de Apoio, até então, uma lista atualizada e organizada de quantas pessoas recebiam os fatores recombinantes e em quais quantidades. As alterações provocaram uma onda de protestos por parte dos hemofílicos. Havia anos, eles sustentam, que as prescrições eram mensais, suficientes para o tratamento preventivo, enquanto agora é preciso ir ao Hemocentro semanalmente para receber doses que não cobrem o fim de semana. Para a promotoria, a transferência desestabilizou o acesso ao tratamento e desde então o Hospital de Apoio vem sendo alvo de desestruturação.

Em carta à Prosus, a Associação dos Voluntários, Pesquisadores e Portadores de Coagulopatias (Ajude-C) diz que a estrutura do Hospital de Apoio está sendo diluída, o local de realização de exames mudou e a dispensação de medicamentos se tornou morosa. Para o promotor titular da Prosus, Jairo Bisol, o que está acontecendo é um “desmanche mais ou menos dissimulado de um oásis da profilaxia para consagrar uma posição defendida pelo Ministério da Saúde”, que seria o atendimento por demanda — aquele em que o paciente recebe a medicação quando tem uma hemorragia. A técnica é mal vista pelo MP por não impedir sangramentos e lesões permanentes. “O DF era a única unidade da Federação que furava essa recomendação, atraindo inclusive pacientes de outros estados e se tornando reconhecido por isso”, afirma Bisol. Segundo ele, desde o início do ano, a promotoria tem recebido mais do que nunca reclamações de hemofílicos e familiares.

Medicação em casa
A Secretaria de Saúde informou, por meio de assessoria de comunicação, que não há ameaça de falta de medicação e que, apesar de ter convocado os pacientes à renovação de cadastro, dos 450 hemofílicos do DF estimados pela associação, apenas 162 atenderam ao chamado. Desde abril, garante a secretaria, os cadastrados têm recebido a medicação em casa e a distribuição do fator recombinante é semanal quando os estoques estão baixos para garantir o fornecimento a todos os pacientes. Ainda segundo a assessoria, a compra desses insumos sempre é feita de maneira emergencial, já que não há previsão orçamentária para o medicamento.

Em nota, a Secretaria de Comunicação do governo esclareceu que “o tratamento preventivo de portadores de coagulopatias, chamado de profilaxia primária, não foi interrompido” e que a atualização do registro dos pacientes foi feita “com o intuito de organizar e regularizar a dispensação dos fatores recombinantes, antes comprados e distribuídos de forma desorganizada e sem planejamento”. Questionado sobre a ação, Agnelo declarou ter instalado uma comissão de licitação exclusivamente da saúde, que fará a primeira licitação de 700 itens por meio do sistema do Ministério da Saúde. “Antes estava faltando tudo e eu nunca vi Ministério Público aparecer. Era um caos, uma tragédia”, alfinetou.

Os pacientes confirmam que não há falta de remédio, mas reclamam da queda de qualidade no atendimento e da burocracia para a retirada dos fatores coagulantes. “Está muito mais difícil fazer o tratamento. Eles estão alegando ser uma questão administrativa, mas o paciente está sofrendo as consequências disso. Disseram que, agora, atendimento no Hospital de Apoio é só com hora marcada e para emergência temos que ir para o Hospital de Base, que não tem estrutura para nos atender. Estão diluindo uma equipe que nos atende há mais de 10 anos”, critica Roberta Lucena, membro da comissão de paz da Ajude-C. Segundo ela, muitos pacientes temem que o tratamento por profilaxia seja gradativamente substituído pelo atendimento por demanda. “Sangramento não espera”, diz.

Jairo Bisol não acredita que o governo tenha agido de má fé ao fazer trocas no sistema de atendimento, mas critica as decisões tomadas sem que houvesse diálogo aberto com o grupo de hemofílicos e também com o Ministério Público. “No entender do MP, o governador tem boa fé, mas precisava ter ouvido os pacientes porque as informações levantadas pela investigação não batem com o que diz o governo”, afirma. Ele tentará uma audiência com o chefe do Executivo ainda nesta semana para discutir o assunto.

Distúrbio
Hemofilia é uma doença genético-hereditária caracterizada por um distúrbio na coagulação do sangue. Existem dois tipos de hemofilia: A e B. A hemofilia A ocorre por deficiência do fator 8 de coagulação do sangue e a hemofilia B, por deficiência do fator 9. A doença pode ser classificada segundo a quantidade do fator deficitário em três categorias: grave, moderada e leve.

Prevenção e reposição

A profilaxia primária no paciente hemofílico consiste em prevenir sangramentos com a reposição do fator de coagulação. A prática é padrão em países como Estados Unidos, Canadá, Argentina e Venezuela. O objetivo da profilaxia é possibilitar uma vida plena ao hemofílico, já que a prevenção evita lesões, principalmente nas articulações — esses ferimentos muitas vezes desencadeiam a perda permanente dos movimentos no local afetado. O tratamento é recomendado pela Federação Mundial de Hemofilia e pela Organização Mundial de Saúde. O Distrito Federal é pioneiro nessa oferta. O procedimento adotado pelo Ministério da Saúde é por demanda, ou seja, a medicação é oferecida após o início de uma hemorragia. O método, porém, não previne as deformidades articulares. Especialistas afirmam que o ideal é a realização da prevenção com a reposição do fator coagulante entre duas e três vezes por semana.

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