Modelo das OSs pode ser solução para atender a sociedade, diz Gilmar Mendes

26/04/2017. Crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Ministro do Supremo Tribunal Federal - STF - Gilmar Mendes durante entrevista no estúdio da TV Brasília para o programa CB.Poder.

Para ministro do Supremo Tribunal Federal, o modelo de administração direta tradicional não tem respondido bem às demandas da sociedade. Por isso, considera lícito buscar novas formas de gestão, como as organizações sociais

Nos últimos dois dias, o Correio expôs a situação do Hospital da Criança José Alencar. O Ministério Público cobra licitação para a escolha do Icipe (Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada), organização social que administra o hospital. Além disso, questiona a cessão do terreno, em 2004, para a construção da unidade dedicada à saúde da criança. Em ações judiciais, há ainda críticas à falta de prestação de contas adequada. A pressão assusta os fundadores e os voluntários do hospital, que já pensam em desistir. 

Em entrevista, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, fala sobre o modelo de gestão feito em parceria entre governos e organizações sociais e defende o caso do hospital. Para ele, o corporativismo prejudica o debate, que deveria focar na eficiência dos serviços prestados à sociedade e em “fazer mais com menos”. No ano passado, ele participou de um seminário sobre o tema organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, em que enfatizou que a mitigação das desigualdades se daria pela eficiência do serviço público.

Gilmar Mendes reconhece o Hospital da Criança como uma instituição bem gerida e de excelência e rebate algumas das acusações do Ministério Público. Para ele, o órgão, em muitos casos, é tocado pelo corporativismo. Ele garante que a licitação para escolha da organização que irá gerir um serviço não é necessária. “O Sarah Kubitschek passou por uma situação parecida na transição do governo militar para o do governo Sarney. Tentaram tirar a administração da organização social”, relembra e compara.


O Hospital da Criança José Alencar foi construído pela Abrace em um terreno cedido pela Secretaria de Saúde e doado ao GDF. Muitos governadores disseram que seria interessante que a própria Abrace administrasse o hospital, então, foi criada uma organização social, o  Icipe, para isso. Mas, agora, o Ministério Público do DF contesta o fato de não ter havido uma licitação para escolha da organização que tomaria conta do hospital. Isso é legítimo?

É legítimo e lícito. Imagina que o Sarah Kubitschek resolva abrir uma unidade em outra unidade da Federação e se exija uma licitação para escolher outra organização social para administrá-la. Falamos de um hospital consolidado, de qualidade atestada. A legislação não obriga que se faça uma licitação para escolha de organização social. A lei fala em qualificação, não em licitação, então, tem que ver a que atende a certos critérios. E o convênio tem que ser conduzido de forma pública, objetiva, impessoal. Até porque seria uma licitação praticamente sem concorrência, o que é algo muito singular. É um processo de escolha, não existem tantas pessoas com qualificação. São muitas peculiaridades a serem analisadas. O que me choca é querer colocar em questionamento uma boa experiência. Isso tem de ser esclarecido. O Ministério Público, muitas vezes, se equivoca e se deixa tocar por questões corporativas, capturado, inclusive, por sindicatos e corporações. Brasília é a capital do corporativismo.

No ano passado, o senhor participou de um seminário sobre as organizações sociais. Por que é importante discutir esse modelo misto de gestão?

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A visão geral no seminário era favorável ao que chamamos de experimento institucional. O modelo de administração direta tradicional não tem respondido bem às demandas, portanto, é lícito buscar novas formas, que permitam comparação. É evidente que podem ocorrer, em alguns casos, parcerias com distorções, mas isso tem de ser verificado in loco, caso a caso. O sistema tradicional burocrático deu maus resultados. Mas o debate que se trava hoje é corporativo, pouco preocupado com eficiência. É importante essa discussão para mostrar o que move aqueles que estão impugnando essas parcerias.

Uma das críticas às organizações sociais é a possibilidade de elas dispensarem licitação. Muitos acreditam que isso facilita fraudes.
Os órgãos de controle têm de fazer as devidas aferições, o Tribunal de Contas, o Ministério Público. Mas a licitação também está longe de blindar os contratos em relação à corrupção. Inclusive, a Lava-Jato nos mostra que houve diversas licitações fraudadas.

Então, essa pressão em cima do Hospital da Criança se trata de uma questão ideológica?
Eu imagino: qual país que pode se dar ao luxo de impedir o funcionamento de um hospital de excelência? O que eles querem é empregar mais médicos no regime estatutário e defender o interesse de sindicatos. É absurdo, a posteriori, tentar inviabilizar um trabalho de qualidade, como é o dos dois exemplos que se tem em Brasília: o Sarah e o Hospital da Criança. À época, foi feita uma dispensa de licitação, o que é legal.

Para o usuário do serviço público, seja de saúde, seja de educação, faz diferença?

As pessoas que usam o serviço público estão pouco se lixando se o médico é estatutário ou celetista. Querem que o trabalho seja benfeito. E esse modelo tem funcionado. É uma tentativa de fazer mais com menos, mas isso não interessa aos sindicatos, que querem manter seu poder.

Em 1998, o PT e o PDT interpuseram uma ação direta de inconstitucionalidade atacando a Lei de Organizações Sociais. Por que o acórdão do Supremo decidiu pela validade da prestação de serviços públicos não exclusivos por organizações sociais em parceria com o poder público?
O STF manteve a legislação sobre as organizações sociais em sua substância. Eles contestavam toda a possibilidade de terceirização da administração, mas é sempre de uma lógica corporativa. Os partidos estavam representando as corporações e seus eleitores. Mas a Constituição veio para flexibilizar e permitir essa possibilidade e, em momentos de crise como esse, os administradores não têm alternativa. Por isso, a reforma administrativa da Emenda nº 19. A ideia é encontrar instrumentos alternativos de mudança, que são bons para a administração e para o usuário.

O senhor deu o exemplo positivo da Rede Sarah, aqui em Brasília. Há outros exemplos de sucesso no Brasil?
Há muitos. Em São Paulo, uma parte do sistema, principalmente da saúde, tem apoio das Irmãs Marcelina e funciona bem.

E por que, mesmo com bons exemplos, como ainda há grupos que podem ser contrários?

As organizações sociais não são por si só a solução, porque podem haver distorções. Mas o que eles não querem é ter termos de comparação. E é bom que haja. Se tiver uma escola gerida por uma organização social de um lado da rua e pela administração direta do outro, vão ver a diferença na eficiência. E, se ainda por cima, souberem quanto se gasta em uma e em outra, não vai haver quem defenda a administração direta. Ficamos constrangidos com esse debate, porque é puro corporativismo.

“É absurdo, a posteriori, tentar inviabilizar um trabalho de qualidade, como é o dos dois exemplos que se tem em Brasília: o Sarah e o Hospital da Criança”

“As pessoas que usam o serviço público estão pouco se lixando se o médico é estatutário ou celetista. Querem que o trabalho seja benfeito”


Fonte: Correio Braziliense

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