A crise econômica que estamos enfrentando tem duas características principais: (i) a queda de demanda, gerada pelo isolamento social em combate à pandemia de coronavírus, e (ii) as incertezas com relação à estabilidade profissional da população. Essa interrupção repentina do consumo atinge não só as empresas, mas também o próprio governo federal – que assiste diariamente à escalada do déficit fiscal e à queda na arrecadação.
A arrecadação total das Receitas Federais alcançou R$ 174,991 bilhões em janeiro, registrando o maior valor já do primeiro mês do ano. Em parte, o resultado veio da antecipação do recolhimento do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (tributação cobrada sobre as empresas), num momento em que ainda se falava em crescimento do PIB para 2020.
Porém, como todas as mudanças e imprevistos causados pela pandemia, o governo federal viu a arrecadação das receitas recuar 3,32% em março, no comparativo anual, totalizando R$ 109,718 bilhões. Com isso, o mês teve o pior desempenho desde 2010. Em contraponto, a meta fiscal de déficit para 2020 era de R$ 124,1 bilhões no começo do ano, mas com as medidas de combate à doença e estímulos econômicos, o rombo nas contas do governo deve superar com facilidade os R$ 600 bilhões.
Para completar, o boletim Focus divulgado pelo Banco Central nesta semana indica que o PIB deste ano deve encolher 2,96%, e o pior: essa é uma das leituras mais otimistas lançadas no mercado até o momento. Já o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), aponta que o PIB per capita deverá recuar 4,1% em 2020, impactado pelas medidas de isolamento social, registrando o menor nível da renda desde 2007.
Colocando em termos mais simples, a economia irá encolher, o desemprego irá aumentar e as pessoas ficarão mais pobres em 2020.
Com tudo isso, fica claro que o momento pede um forte alinhamento entre as esferas do governo na busca por soluções rápidas e sustentáveis, o que parece não estar acontecendo. Isso pôde ser visto no final da primeira quinzena deste mês, quando a Câmara dos Deputados propôs uma medida de socorro aos estados sem qualquer contrapartida, transferindo à União a obrigação de compensar as perdas de receita dos estados, num dos itens de uma extensa lista de desentendimento entre Executivo e Legislativo. Isso sem falar das próprias crises criadas pelo próprio governo sozinho.
Enquanto isso, a AGU (Advocacia-Geral da União) apontou que as concessionárias de rodovias e de aeroportos leiloados pelo governo federal têm direito ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos para compensar perdas causadas pela pandemia, ou seja, há, claramente, um conflito entre a necessidade de priorizar vidas ou o futuro da economia, porém não há razão para escolher apenas uma das opções. Deve haver sinergia entre elas para preservar a vida agora e garantir o sustento de todos no futuro, mas, na política, nem o que parece fácil realmente é.
Diante de tudo isso, de duas, uma: ou as lideranças estão vendo a pandemia de Covid-19 como algo de solução passageira, o que é pouco provável, ou estão ignorando a queda de receita pública, o que nos levará inevitavelmente ao aumento dos impostos para alimentar o caixa da União num futuro próximo.
A solução para esse dilema não é simples, mas o caminho está dado. Quanto maior for a eficiência dos gastos no combate à pandemia e os estímulos econômicos, maior será a chance de uma recuperação mais rápida.