
Eberth Vêncio
Agora é definitivo: de acordo com especialistas em finais de mundo (olhem que a minha paciência também se aproxima de um fim), a vida no planeta azul vai mesmo expirar no próximo dia 21 de dezembro, às vésperas do natal. Entre os homens e o meteoro, eu prefiro o segundo, a pedra fumegante que, em menos de um segundo, haverá de nos redimir de nós mesmos, incinerando mazelas como se fossem mendigos do planalto central.
Entendam: o intento maior da flama é o trucidamento impiedoso de toda humanidade, a despeito de mensalões, de cachoeiras e de todo cinismo que compõe a lama na qual patinamos desde que paramos de andar sobre as quatro patas, para deambularmos a esmo, em busca de comida, de procriar, de perpetuar a espécie e toda a ignorância que insiste em habitar nos cromossomos. Somos, em suma, uma causa perdida.
Tendo em vista que agora é pra valer, listei neste prolixo texto (pro lixo com ele, puritanos!) os meus últimos pedidos ao Papai Noel, que irão, posso lhes assegurar, além das modernosas televisões de tela plana e dos smart-phones. Papai Noel, seja esperto! Ao apagar das luzes, rogo ao caquético velhinho que se apresse, pois o tempo urge, a vaca muge e as vedetes do Moulin Rouge, depois do provável cataclismo, perderão todo o charme ao ponto de não aplacarem a libido da plateia.
Ressentimento é pouco. Papai Noel que se cuide. Deixo ao decrépito e incontinente ancião a seguinte lista, uma espécie de protocolo de intenções o qual, juro, será o derradeiro, a não ser que os lunáticos percam as suas lupas e se frustre novamente outro decantado apocalipse, desta feita, o mais aguardado de todos. A diamentos da carnificina irritam-me profundamente. Sigamos — ora, bolas! — rumo ao Juízo Final. E que o estrondo do me teorito nos seja breve.
Tome nota aí, Papai Noel. Apresse-se. Antecipe a sua jornada de providências pelos céus do imaginário. Eis alguns pedidos escabrosos, antes que o mundo se acabe:
— Que o panetone sobreviva a tanto silicone.
— Que os amigos do peito de Brasília desocupem logo a quelas tetas.
— Que as comissões pelas mutretas se tornem zeros à esquerda.
— Que a Direita se endireite. Não se deve mimar o capital tanto assim.
— Que os amigos ocultos se me apresentem além dos dezembros.
— Que o amor — se bem me lembro de tal substantivo — nunca mais seja subvertido pelos facínoras, torturadores e latrocidas. Que a estricnina lhes caia bem na garganta junto com uma taça de espumante.
— Que as amantes se apiedem dos traidores compulsivos.
— Que o brinde à paz persista após a ceia do natal.
— Que turismo sexual em Natal fique definitivamente fora dos cálculos do PIB.
— Que os pedófilos enlouqueçam de tesão num asilo para idosos.
— Que as crianças — as novas gerações — se aliem em sindicatos e decretem a extinção das moedas correntes. Viva o escambo!
— Sem dinheiro vigente no mundo, o poder perderá todo o sentido. Logo, não haverá mais guerras.
— Que os homens — criaturas vocacionadas para a maldade — digladiem pelo sexo, pela música, pela arte de maneira geral, enfim, por tudo aquilo que dê tanto prazer quanto hoje o faz uma cédula de 100 patacas.
— Que o voo rasante de um abutre não esqueça a sua carne e nem a minha.
— Que os benefícios da solidão sejam tão reconhecidos quanto a penicilina, a camisinha de Vênus e a bala de prata.
— Se há vida inteligente em Marte, não faço ideia, não me interessa. Abaixo a burrice terráquea!
— Que se dependurem nos jiraus todos os podres dos homens públicos, para o benefício dos chacais e da verdade.
— Que o Governo Federal baixe as calças e uma nova medida: a redução do IPI sobre as camisinhas. Vai ser phoda (no melhor sentido possível).
— Que a indústria automobilística pavimente buracos e pague a conta do analista.
— Que listas escabrosas como esta procriem como coelhos.
— Que as coelhinhas da “Playboy” nunca engravidem.
— Que ninguém se finja de louco para viver. A vida já é doida demais.
— Que o distúrbio bipolar não evolua para a tri-polaridade.
— Para o bem das cartilhas e das tabuadas, que o Brasil não seja Hexa.
— Que o doloroso mistério da morte nos una para além dos dogmas religiosos.
— Que eu não repita o cão sem dono, e entre por aquela porta de uma igreja, só porque ela está aberta.
— Que eu jamais sinta pena das almas penadas.
— Que os livros de autoajuda não me atrapalhem.
— Que se reconheça a pujança de uma segunda-feira.
— Que esta noite de domingo acabe antes do efeito do conhaque.
— Que todos os casais sejam felizes para sempre, mesmo que a Justiça os separe.
— Reforçando Vinícius de Moraes: que o amor jamais se furte em ser infinito enquanto dure.
— Que a poesia salte da estante assim que nascer o primeiro micróbio de um novo mundo. E que Deus não se meta nisso.
Eberth Vêncio é médico e escritor.