Rudolfo Lago
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Um depoimento na tarde de hoje no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) deverá ser fundamental para definir o destino político da deputada federal Erika Kokay (PT-DF). A depoente é a advogada Vânia Gomes. Hoje titular do escritório Gomes e Tobias Advocacia, especializado em assessoria e consultoria jurídica para empresas, Vânia foi assessora parlamentar de Erika quando ela era deputada distrital entre 2005 e 2011.
Na audiência desta tarde, Vânia afirmará que durante boa parte desse período foi obrigada a devolver parte dos vencimentos que recebia à deputada. É a prática conhecida como “rachadinha”, esquema pelo qual o político combina com o assessor contratado um determinado valor oficialmente, mas fica com parte do dinheiro. Caso confirmado, trata-se de desvio de dinheiro público. E pode implicar, como uma das penas, cassação de mandato.
Testemunha de acusação
Vânia Gomes adiantou, com exclusividade, ao Jornal de Brasília detalhes do depoimento que dará hoje. Ela é testemunha de acusação em uma denúncia de autoria do Ministério Público Federal. A denúncia é decorrência de um depoimento que Vânia prestou à Polícia Civil em 2010. De posse das informações prestadas por ela, o Ministério Público quebrou seu sigilo bancário. E verificou que os extratos corroboravam o que ela dissera em seu depoimento. Rotineiramente, um dia depois de receber seu salário, Vânia transferia parte para uma conta bancária da qual Erika Kokay era uma das titulares.
A denúncia do Ministério Público é contra a deputada e Alair José Martins Vargas, que foi seu chefe de gabinete. Diz o texto, assinado pela procuradora geral da República Raquel Dodge e originalmente encaminhado ao ministro Ricardo Lewandowski (que remeteu o caso para o TJDFT), que Erika e seu chefe de gabinete “apropriaram-se indevidamente de valores salariais percebidos por Vânia Gomes”. E, diante da confirmação dos fatos, o MP arrola Vânia como testemunha. “Eles tiveram acesso aos meus extratos bancários. As informações estão todas lá. Não tenho escolha, como cidadã, como advogada e como mãe, senão dizer a verdade. E é o que eu vou fazer”, disse Vânia
Ela conta que, no início do ano de 2006, foi chamada pelo chefe de gabinete, que lhe disse que ela teria um aumento no salário, que era de R$ 3 mil. Só que, o valor a mais, R$ 2,6 mil, não ficaria com ela. Ela deveria repassar esse excedente para uma conta conjunta que Erika tinha com Alair.
Extratos
Os extratos bancários de Vânia demonstram claramente a coincidência entre o pagamento e o repasse. No dia 20 de dezembro de 2006, por exemplo, Vânia recebeu crédito de pagamento no valor de R$ 8.602,83. No dia 21, ela transferiu R$ 2.100,00 para a conta de “Erika Jucá Kokay”. Foram, segundo verificou o Ministério Público, cinco transferências de R$ 2,1 mil e duas de R$ 1,3 mil para Erika. Houve também duas transferências para o chefe de gabinete Alair, uma de R$ 1,8 mil e outra de R$ 1,3 mil. No total, R$ 13,1 mil repassados de Vânia para a deputada e seu chefe de gabinete.
Segundo Vânia, no seu caso, os repasses aconteceram até 2009, quando ela ficou grávida. Diante do aumento da despesa, ela pediu que os descontos cessassem. E foi atendida. Quando voltou, porém, ao gabinete depois da licença maternidade, o chefe de gabinete havia mudado. E a nova chefe de gabinete lhe cobrou os repasses. E queria, segundo Vânia, que ela, inclusive, pagasse o que ficara devido no período em que ela não fez os depósitos. Vânia conta que ficou irritada. Disse que não pagaria mais nada. E que exigia, inclusive, a devolução de tudo o que repassara, ou denunciaria o caso.
Armadilha
De acordo com Vânia, parecia que chegariam a um acordo. Mas ela afirma: “Caí numa armadilha”. Ela foi convocada para prestar um depoimento na Polícia Civil, acusada pelo gabinete de Erika Kokay de tentativa de extorsão. “Passei sete horas na delegacia, sustentando o meu depoimento, mas parece que não era isso o que queriam”, diz ela. Ela afirma que, então, sofreu uma pressão do delegado, do qual não recorda o nome. “Em determinado momento, ele pegou o telefone e disse que estava ligando para um orfanato. E dizia a ele que levaria minhas crianças para lá”. Diante da pressão, Vânia alterou o seu depoimento. “Isso me marcou muito. Fiquei doente. Mas minha intenção era não mexer mais com isso. O problema é que o Ministério Público teve de alguma forma acesso ao meu primeiro depoimento. E foi verificar as informações”.
De fato, diz o texto da denúncia: “Em que pese o fato de Vânia Gomes ter retificado seu depoimento (…), as informações (…) corroboram os fatos”. Segundo o MP, Erika praticou o crime tipificado no artigo 312 do Código Penal: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, que tem a posse em função do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio”.
Hoje, Vânia não tem dúvidas: “Minha obrigação legal é dizer a verdade”.
É o que fará na tarde de hoje. Procurada a assessoria de imprensa da deputada Erika Kokay, não houve retorno até o fechamento desta edição.
Fonte: Jornal de Brasília