No letreiro da cidade, familiares e amigos de vítimas e atingidos pelo rompimento da barragem da Vale se reuniram no ato que realizam todo dia 25 para prestar suas homenagens aos entes
Na tarde deste dia 25 de novembro, a AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão) promoveu o ato mensal em homenagem às 272 vidas perdidas na tragédia-crime. Com a presença de familiares, amigos, autoridades religiosas e da banda da Associação Talentos Regionais de Brumadinho, o ato marcou 3 anos e 10 meses da tragédia-crime.
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O ato começou com muita emoção, com a execução pela banda – composta por jovens – da música ‘Mais perto quero estar’. Houve a chamada dos nomes de todas as vítimas e também um momento para transmitir força aos familiares das 4 joias, como carinhosamente são chamadas as vítimas fatais, que ainda não foram encontradas: Cristiane Antunes Campos, Maria de Lourdes da Costa Bueno, Nathália de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva. O nome do Major do Corpo de Bombeiros Wagner Bonin, assassinado no último 16, também foi lembrado: ele atuou em Brumadinho após o rompimento da Barragem da Vale, em 2019, era enfermeiro e estava na corporação havia 20 anos.
O pastor Rodrigo, de Sarzedo, fez uma oração e bênçãos. O Bispo Dom Vicente não compareceu ao ato devido às ameaças que sofreu em Moeda, cidade vizinha. Ele enviou uma mensagem dizendo que está sempre em sintonia e com o coração triste por não estar presente em uma data importante para todos.
Apelo a André Mendonça
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Momento importante do ato foi a leitura de um apelo para o ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), feita por Andresa Rodrigues, vice-presidente da AVABRUM. No texto, enviado hoje ao ministro, foram compartilhadas algumas histórias e depoimentos de familiares das 272 vítimas, e o pedido para que Mendonça dedique-se a assistir o que a AVABRUM tem para contar, buscando, assim, ser ouvida, e que o julgamento seja feito pela Justiça de Minas Gerais (leia a íntegra abaixo).
Para Jacira Francisca Costa, diretora da AVABRUM, que perdeu o filho Thiago Mateus Costa no rompimento da barragem, o sentimento de estar na luta, há 3 anos e 10 meses, é de tristeza e vergonha. “Desde 2019 estamos lutando, pedimos punição aos culpados e justiça. Já fomos em Brasília, fomos em Belo Horizonte, e nada foi feito até hoje. Pedimos para que seja julgado aqui, pois aqui foi o crime. Aqui que eles nos mataram. O crime não pode ficar impune. O assassinato de 272 pessoas em menos de um minuto é uma vergonha tanto para a Vale, quanto para nós, brasileiros. Ficamos tristes porque não existe condenação aqui. O sentimento é de ressentimento. Muito sangue derramado”, disse.
A AVABRUM, durante o ato, fez sua homenagem à família de Alderico Rodrigues Silva, pai da joia Vagner Nascimento da Silva. Alderico faleceu hoje, 25/11, sem ver a Justiça responsabilizar os culpados pela morte do filho.
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Ao fim, a Associação ainda fez o convite para que todos participem dos atos visando formar forças em busca de ideais para todos os familiares, além de convidar também para frequentar o Centro de Convivência dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão e participar dos programas que oferecem.
Veja íntegra da carta da AVABRUM ao ministro André Mendonça
Brumadinho (MG), 16 de novembro de 2022.
Exmo. Sr. Dr. Ministro André Mendonça,
Reiteramos, neste e-mail, o nosso apelo a respeito do julgamento sobre a competência para julgamento da ação penal sobre a tragédia-crime do rompimento da barragem da Vale S.A, no Córrego do Feijão, processo em tramitação e que teve pedido de vista solicitado por Vossa Excelência.
É extremamente difícil ressignificar a morte quando, como é o caso, as circunstâncias da morte permanecem distantes do olhar da justiça. Quase quatro anos depois, os familiares das vítimas sequer tiveram a oportunidade de ter esperança na realização do julgamento. Isto porque, os ritos processuais abrem brechas para iniciativas que têm, muitas vezes, apenas o objetivo de retardar o trâmite eficiente da Justiça. Carregar a dor da perda irreparável de uma pessoa querida, com o sentimento de injustiça, é um fardo pesado e doloroso.
Os fatos em Brumadinho foram fruto da negligência e demonstram a precariedade das condições de trabalho na mineração. Por isto — e em memória deles — nós lutamos para que as lições deste julgamento entrem para a história, ensinando que a vida tem valor absoluto de tal modo que tais fatos não se repitam no território nacional.
Confiamos na capacidade do Poder Judiciário — tanto no âmbito da Justiça Estadual quanto da Justiça Federal — para analisar o caso e aplicar a lei penal de forma justa e imparcial. Temos conhecimento sobre o direito de todo e qualquer acusado de ser julgado pelo juiz competente, segundo o que a lei determina. Não temos a pretensão de escolher um juízo que seja mais conveniente do que o outro segundo os nossos interesses.
Apenas desejamos que o processo caminhe em seu curso regular, sem percalços e retrocessos. Por isso entendemos que o reconhecimento, a esta altura, da incompetência da Justiça Estadual, com a invalidação dos atos processuais já praticados, implicará grandes prejuízos à sociedade.
Neste e-mail compartilhamos com Vossa Excelência algumas pequenas histórias. São depoimentos de alguns familiares das 272 vítimas, incluindo aqui, entre as vítimas, dois bebês em gestação. Pedimos que no uso do seu precioso tempo, por gentileza, dedique-se a assistir o que temos para contar nestes vídeos.
Ao ver e ouvir estas histórias, esperamos que Vossa Excelência possa nos autos, ser os nossos olhos e ouvidos – e com a inspiração bíblica de Isaías (1:17) ao exortar os homens:
“Aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva”.
Agradecemos a sua atenção e continuamos firmes na esperança de que os caminhos da Justiça irão prevalecer.
Atenciosamente,
Diretoria da AVABRUM
Histórias de Vítimas Brumadinho
- Seu Alderico deu um emocionante depoimento sobre seu filho Vagner, morto na barragem da Vale. Seu Alderico faleceu hoje, de 25/11/22, sem ver a Justiça responsabilizar os culpados pela morte de Vagner.
- Dona Malvina perdeu o filho Peterson no rompimento da barragem em 25/01/19 e, para ela, a vida é só vazio e perdeu todo o sentido.
- O tempo não apaga a lembrança de João Paulo, filho de Raimunda, que neste depoimento fala dos detalhes diários que a fazem sentir sua falta o tempo todo.
- O trauma de uma morte tão violenta é tão grande que Arlete, mãe de Vagner, diz não lembrar mais como era a vida antes de 25/11/19, quando a barragem levou seu filho.