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    HomeDistrito FederalJOGO DE CENA: MPDFT ENTRA COM AÇÃO MAS NÃO JUNTA DOCUMENTOS

    JOGO DE CENA: MPDFT ENTRA COM AÇÃO MAS NÃO JUNTA DOCUMENTOS

    Trata-se de ação civil pública, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela final, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS em desfavor: a) Câmara Legislativa do Distrito Federal; b) da Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal; c) dos Deputados Distritais – Aylton Gomes, Benedito Domingos, Benício Tavares, Eurides Brito, Júnior Brunelli, Leonardo Prudente, Rogério Ulisses, Roney Nemer, Berinaldo Pontes e Pedro do Ovo e d) contra o DISTRITO FEDERAL.

    Na petição inicial, o órgão ministerial público descreve a situação política atual do Distrito Federal. Situação que evidencia uma série de gravações de áudio e vídeo de vários agentes políticos (deputados, secretários, e o próprio Governador do Distrito Federal) a receber dinheiro em espécie para, supostamente, satisfazer pagamento de propina.

    Fala, que, em razão desses fatos, de ampla notoriedade, objeto de investigação no Inq./STJ 650, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Distrito Federal, apresentou representação, junto à Câmara Legislativa do Distrito Federal, por quebra de decoro parlamentar em desfavor dos Deputados Distritais qualificados como réus da presente ação. Sustenta, igualmente, a existência de vários pedidos de impedimento contra o Governador do Distrito Federal, presente a regência da Lei 1.079/1950, que levaram à convocação extraordinária da Câmara Legislativa do Distrito Federal para 11 de janeiro de 2009, quando se adotará o rito necessário para o processo.

    Sustenta, então, a suspeição dos deputados supostamente envolvidos para o processo e julgamento do impeachment – impedimento -, fundamentado na lógica geral: um investigado não pode apurar fatos que estejam correlacionados com a suposta prática que esteja supostamente envolvido.

    Pede, pois, inclusive em sede de antecipação dos efeitos da tutela, o afastamento dos parlamentares-réus de qualquer comissão que tenha objeto de apuração os fatos alinhavados na inicial.

    Os autos foram distribuídos no dia 08 de janeiro de 2010, às 18h55min. Vieram-me conclusos para apreciação da medida de urgência.

    É o relatório.
    DECIDO.

    E ao fazê-lo, registro, inicialmente, que o Ministério Público não juntou aos autos um único documento sequer, a fim de instruir o processo, somente constando a petição inicial, onde afirma tão somente que o fato é público e notório, pois amplamente veiculado na mídia.

    O Ministério Público reputa que está dispensado de apresentação de prova documental para a propositura da ação, uma vez que afirma que o fato é notório e que, por isso, encontram-se preenchidos os requisitos do art. 283 do Cód. de Proc. Civil. Todavia, os documentos exigidos para a propositura da demanda não se confundem com os documentos necessários à procedência dos seus pedidos.

    É sabido que o caput do artigo 283 do Cód. de Proc. Civil, afirma que para que o juiz possa conceder a antecipação dos efeitos da tutela, necessário que se demonstre a verossimilhança e a prova inequívoca da alegação, sendo que a lei exige que seja apontado, de modo claro e preciso, as razões do convencimento do magistrado. Vejamos o texto legal:

    “Art. 273, CPC: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
    I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
    II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
    § 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.” (Sublinhei).

    Ao não juntar aos autos um único documento sequer, o Ministério Público impossibilitou a este magistrado ter contato direto e imediato com a prova do alegado, relegando os elementos probatórios exclusivamente a fatos narrados pela imprensa. Não me parece que simplesmente invocando fatos narrados por reportagens veiculadas na imprensa, que nem mesmo tais matérias jornalísticas foram juntadas aos autos, possa o juiz indicar de modo claro e preciso, o que pressupõe indicação objetiva em fatos documentados nos autos, cumprir o requisito exigido na lei para o deferimento da antecipação de tutela.

    Ora, o magistrado deve ter contato direto e imediato com os elementos probatórios, e não por meio da imprensa. Não tem sequer condições de atender o comando de lei mencionado, que determina que o magistrado, para deferimento da antecipação de tutela, indique de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. Isso por um motivo simples: as razões não podem ser encontradas nos autos, mas sim em noticiários da imprensa, que sequer foram juntados aos autos.

    O conjunto probatório capaz de gerar prova inequívoca não foi juntado aos autos pelo autor, como era seu ônus. Este apenas se limitou a indicar como prova, o acompanhamento de notícias veiculadas na mídia. Tal prova se afigura limitada, indireta e mediata, por não possibilitar que o magistrado tenha conhecimento de forma completa acerca do fato, mas tão somente de forma parcial, atinentes aos fatos noticiados pela mídia. Cópias dos documentos diretamente extraída da fonte, qual seja o Inquérito 650-STJ, sem intermédio da mídia, nessa ordem de idéias, seria essencial para o completo e direto conhecimento e formação de convencimento objetivamente motivado nos autos.

    De suma importância, neste ponto, frisar que uma situação é a pessoa do juiz, como cidadão comum, ser bem informado acerca das noticias que envolvem a sociedade e a humanidade em geral. Outra situação, bem diferente, é o juiz, como órgão julgador, valer-se de tais notícias para dispensar a apresentação de provas no bojo do processo. Tal situação afrontaria os mais comezinhos princípios jurídico-processuais e inviabilizaria a defesa, garantida a todos os requeridos, em todos os processos judiciais.

    Além do mais, não se pode admitir que um processo judicial, escrito e documentado por excelência, seja pautado, quanto a matéria de provas, tão somente em matérias jornalísticas veiculadas em imprensa, não juntadas aos autos, impossibilitando o acesso direto e imediato do juiz à prova, a fim de formar seu convencimento, que deve estar pautado em dados objetivos do processo.

    Não se olvide da admissibilidade de que matérias jornalísticas venham a figurar no conjunto probatório, desde que de forma complementar, a fim de corroborar a comprovação de um fato. Não basta que o fato seja noticiado pela mídia para que se dispense a prova documental. O simples fato de terem sido veiculados pela imprensa, não importa em notoriedade fática, capaz de legitimar o deferimento de antecipação de tutela, que exige, documentadamente nos autos, prova inequívoca, e não mera alusão a reportagens veiculadas em meio jornalístico.

    O emérito jurista Moacyr Amaral Santos explica o que se deve entender por fato notório:

    “Para melhor entendimento do que sejam fatos notórios cumpre traçarem-se-lhes os caracteres gerais.
    a) A notoriedade é um conceito eminentemente relativo. Há fatos conhecidos em todo o mundo cristão – o dia 25 de dezembro é o dia de Natal; há fatos notórios apenas a um dado país – a época da colheita de café é notória, no Brasil, nos Estados que o produzem, há fatos notórios somente em relação a uma dada região – a época em que se realiza a fera de animais em certa cidade.
    b) Para que um fato seja notório não é preciso que, efetivamente, seja ele conhecido, bastando que possa ser por meio da ciência pública ou comum. – O juiz pode ignorar a época em que se faz a colheita do café, no Estado de São Paulo, mas nem por isso essa época deixa de ser notória, bastando-lhe, para conhecê-la, consultar qualquer calendário especializado ou qualquer agricultor ou comerciante de café.
    c) Não é necessário, para um fato ser considerado notório, que com ele tenham tido relação direta os componentes de cada esfera social. Notório é que a independência do Brasil se deu a 7 de setembro de 1822, sem embargo de não termos vivido naquela época; o juiz, por nunca ter ido a Santos, não pode deixar de considerar notório o fato de aquela cidade ser porto de mar.” (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 2. 24. ed. São Paulo : Saraiva, 2008. p. 352)

    Deve haver comprovação documental nos autos de processo, de forma a permitir o contato direto deste magistrado com a prova, notadamente por meio do Inquérito aludido na inicial, acerca da conduta de cada um dos réus, a fim de individualizar-lhes a conduta e oportunizar a ampla defesa.

    Sobre este tema, quando do julgamento do REsp. nº 7.555-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

    “A circunstância de o fato encontrar certa publicidade na imprensa não basta para tê-lo como notório, de maneira a dispensar a prova. Necessário que seu conhecimento integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social, por parcela da população a que interesse”.

    Assim, ao autor cumpre a apresentação de cópia do referido inquérito, pois a ele tem acesso, como órgão integrante do Ministério Público Federal.

    Nos termos do art. 358, inciso II do Cód. de Proc. Civil, o juiz não admitirá a recusa da exibição do documento, quando a parte a ele aludir em suas razões, com o intuito de constituir prova. Os fatos imputados aos parlamentares não estão apresentados de forma individuada. O Ministério Público levou em conta apenas a notícia televisiva em bloco, não podendo o juiz julgar um caso midiaticamente.

    O STJ já teve oportunidade de pronunciar, no REsp 181.197-SP, de relatoria do Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, acerca dos documentos necessários à propositura de um processo:

    “RESP – PREVIDENCIÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – INICIAL – DOCUMENTOS – O autor deve instruir a inicial com os documentos a que se refere a causa de pedir. Visa a ensejar o direito de resposta. Despiciendo, todavia, se o réu dispõe da referida documentação.

    Ainda, a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) determina que a petição inicial deverá ser instruída documentalmente. Vale conferir:

    “Art. 8º, Lei nº 7.347/85: Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
    § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

    A providência é fundamental para que possibilite a análise legítima do requerimento de concessão da antecipação de tutela. Ao não fazer acompanhar cópia do Inquérito ou qualquer outro documento, o Ministério Público não se desincumbiu de um ônus legal, imposto a qualquer requerente, em qualquer demanda judicial, de trazer aos autos os documentos mínimos para a comprovação da prova inequívoca, a fim de que lhe seja concedida a antecipação de tutela. Nesse viés, cumpre registrar que o Cód. de Proc. Civil afirma que é ônus que incumbe a quem alega, a comprovação de suas alegações, como estabelecem os artigos 333, I do Cód. de Proc. Civil, além do específico artigo 8º, da Lei 7347/85, atinente às Ações Civis Públicas.

    Transcrevo o artigo 333, inciso I, do Cód. de Proc. Civil:

    “Art. 333, CPC. O ônus da prova incumbe:
    I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito”.

    Tendo em vista o fato do Ministério Público não ter trazido aos autos qualquer documento comprobatório, ou seja, o Inquérito aludido e nem sequer reportagens, ainda mesmo que estas últimas, por si só, sejam insuficientes para o deferimento da antecipação de tutela, pois se exige contato imediato e direto do juiz com a prova inequívoca, não resta outra alternativa senão indeferir, por ora, o requerimento.

    Cumpre ressaltar que o requerimento de antecipação de tutela tem natureza rebus sic stantibus, pois, mesmo sendo indeferida em um primeiro momento, poderá vir ser novamente pleiteada e apreciada por este juízo, no decorrer do processo, caso haja novo requerimento e efetiva comprovação dos requisitos legais previstos no artigo 273 do Cód. de Proc. Civil.

    Ante o exposto, por ora, INDEFIRO o requerimento de antecipação de tutela, sem prejuízo de nova apreciação, a qualquer momento processual, caso venha aos autos comprovação do atendimento dos requisitos legais.

    Intime-se, imediatamente, o Ministério Público.

    Citem-se os requeridos, na forma da lei, com urgência.

    Brasília – DF, segunda-feira, 11/01/2010 às 10h18.

    VINÍCIUS SANTOS SILVA
    Juiz de Direito Substituto

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    Deve ler

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