*Alexandre Rollo
Não basta o povo eleger os seus representantes nos Poderes Executivo e Legislativo, é preciso que esses representantes atuem com probidade administrativa, que nada mais é do que agir com honestidade. O agente público probo é o honesto. O agente público ímprobo é o desonesto. Simples assim. A Constituição Federal, em seu artigo 37, estabelece que a administração pública “obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Estabelece, ainda, que os atos de improbidade administrativa importarão em uma série de sanções graves (Ex.: perda da função pública e suspensão dos direitos políticos do agente ímprobo), na forma prevista em lei.
A lei que regulamenta esse dispositivo constitucional é a de n°. 8.429/92, que foi alterada pela Lei n°. 14.230/21. O Supremo Tribunal Federal vai decidir se a lei nova se aplica para fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor. As pessoas contrárias à lei nova (14.230/21), dizem que ela trará impunidade e que ela não deve retroagir para atingir fatos anteriores a sua vigência. Não penso assim. Penso que a nova lei trouxe avanços e que ela deve ser aplicada de forma retroativa conforme estabelece o art. 5º., inciso XL, da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”). Mas a Lei n°. 14.230/21 seria uma “lei penal”? Não. A Lei n°. 14.230/21, embora não seja uma “lei penal”, é uma lei que integra o chamado direito administrativo sancionador, que, por conta disso, se aproxima muito mais de uma “lei penal”, do que de uma “lei não penal”.
O que me parece (e deixo registrado que não sou defensor da impunidade), é que se o Constituinte originário permitiu a retroatividade de uma lei penal que venha a beneficiar um réu que praticou um crime, também permite essa mesma retroatividade no caso de uma lei que impõe severas sanções e que integra o direito administrativo sancionador. Afinal, por que o acusado de um crime poderia receber o benefício e o acusação de improbidade não? Não bastasse isso, o art. 37, §4º. da Lei Maior enumera as sanções que incidem no caso de prática de improbidade administrativa, deixando expressa a seguinte ressalva: “sem prejuízo da ação penal cabível”. Ou seja, a mesma conduta pode caracterizar crime e improbidade, não sendo lógico que no caso do crime a lei retroaja para beneficiar o réu e no caso da improbidade a lei não possa retroagir.
Também é preciso dizer que a lei de improbidade administrativa, em seu texto originário, com a interpretação que vinha sendo dada pelo Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu, nos últimos anos, o chamado “direito administrativo do medo”, ou ainda, o “apagão das canetas”. O gestor público muitas vezes deixava de praticar determinado ato administrativo com medo da ação de improbidade que certamente surgiria a partir da sua assinatura. Meros erros praticados pelo gestor eram considerados atos de improbidade administrativa que violava os princípios que regem a Administração Pública. Não eram mais permitidos erros. Cobrava-se perfeição do gestor. A Lei 14.230/21, longe de trazer impunidade, veio a corrigir essas distorções.
Não se pode aceitar desonestidade (sinônimo de improbidade) culposa. Ou a pessoa é honesta, ou é desonesta. Desonestidade por ação culposa (imperícia, imprudência ou negligência), não pode existir. O gestor que tenha praticado o ato após o devido processo legal administrativo e seguindo os pareceres técnicos de sua assessoria não pode ser taxado de ímprobo. Se houve erro do gestor que tenha agido de forma culposa, que se busque a recomposição do erário através de ação de ressarcimento. Nos termos de alguns julgados do próprio STJ, a lei de improbidade administrativa deve punir o agente público desonesto, não o inábil. Penso que a nova lei veio para fazer valer, de uma vez por todas, esse entendimento, reservando-se os rigores da lei de improbidade para o gestor efetivamente desonesto.
Alexandre Rollo — Advogado, Conselheiro Estadual da OABSP, Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.