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Talvez seja inevitável adiar eleições municipais, diz Barroso ao Correio

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Novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral diz que a ideia é manter a disputa municipal em outubro, mas a ciência determinará se será necessário o adiamento por causa da pandemia do novo coronavírus


DR Denise Rothenburg RS Renato Souza
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

O novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, assume o cargo nesta segunda-feira num momento recheado de incertezas, no qual é impossível dizer até mesmo a data em que o país terá eleições municipais. “Quem vai bater o martelo são os sanitaristas”, diz ele, prevendo a decisão a esse respeito para o fim da primeira quinzena de junho, em conjunto com o Congresso. Da sua parte, Barroso resiste a adiar as eleições e não coloca a prorrogação de mandatos no radar. “A prorrogação de mandato é antidemocrática em si, porque os prefeitos e vereadores que lá estão, foram eleitos por um período de quatro anos. Faz parte do rito da democracia a realização de eleições periódicas e o eleitor ter a possibilidade de reconduzir ou não seus candidatos”, diz. Ocupante de uma das 11 cadeiras o Supremo Tribunal Federal (STF), Barroso é um magistrado de opiniões fortes e popular entre seus pares, juristas e na sociedade em geral. Ele explica que eventual prorrogação de mandatos, caso as eleições sejam adiadas para além deste ano, não encontra respaldo na Constituição. Mas que poderia ser autorizada, em caráter excepcional, por emenda aprovada pelo Congresso.

As incertezas extrapolam o calendário eleitoral, assim como as preocupações do TSE. Barroso tem, pela frente, a missão de conduzir a apreciação de processos contra o presidente Jair Bolsonaro que tramitam na Corte Eleitoral. Nesta entrevista, concedida na última sexta-feira, ele avisa que “seguirá a ordem cronológica”, ou seja, o que estiver pronto para ir a julgamento será pautado. Na conversa, o ministro transparece que a pandemia deixa recheado de incertezas o futuro de gestores públicos, que desprezam a ciência ao dizer que “a adoção de uma política pública de eventual distribuição de um medicamento que não tenha chancela da comunidade médico-científica e nem de pesquisas clínicas, acho que pode, sim, gerar responsabilidade”, diz ele, sem citar especificamente o caso da inclusão da cloroquina nos protocolos do Ministério da Saúde para atendimento aos pacientes de covid-19. As preocupações de Barroso, porém, extrapolam a esfera eleitoral. Ele acompanha, por exemplo, o clima de radicalização com um olhar de que é preciso exorcizar alguns demônios nas manifestações antidemocráticas que têm tomado conta de setores da política brasileira. “Eu vejo um país em que discursos radicais vindos de lugares diferentes liberaram alguns demônios que, em uma democracia, devem ficar bem guardados. Demônios da radicalização, da intolerância e da violência, esses são inaceitáveis”, diz. A seguir os principais trechos da entrevista:

 

 

O senhor terá o desafio de conduzir as eleições em meio à pandemia. É favorável ao adiamento?

Eu não desejaria ter que adiar. O prazo das eleições está previsto na Constituição e penso que elas são um ponto vital para a democracia. Porém, nós não podemos fechar os olhos à realidade. Existe uma pandemia no mundo, ela atingiu o Brasil e a curva, neste momento, ainda é uma curva ascendente. Se, até meados de junho, a situação continuar semelhante à que se encontra hoje, talvez seja inevitável a necessidade de se adiar as eleições. Mas a minha primeira vontade não é adiar. Se for inevitável, que seja pelo prazo mínimo. Eu já fiz uma intervenção informal com presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para afinarmos as nossas posições e termos um discurso unificado sobre a eventual necessidade de adiamento.

 

Então, o critério seria o achatamento da curva no Brasil para adiar ou não as eleições?

Essa é uma questão interessante, porque embora dependa do Congresso, porque é preciso uma emenda à Constituição, depende do TSE. Nós precisamos ter condições técnicas de realizar as eleições. Quem vai bater o martelo são os sanitaristas, que vão nos dizer se e quando é seguro realizar uma eleição dessa amplitude com mais de 140 milhões de eleitores sem trazer riscos à população. Nós vamos ouvir a ciência e a recomendação médica, procurando fazer o melhor possível dentro do contexto e com diagnóstico que eles nos fornecerão.

 

Como o senhor vislumbra a campanha eleitoral em meio a esse cenário de pandemia, com as pessoas com medo de ir à rua?

Nós temos etapas. Temos o primeiro momento, que são as convenções partidárias — cujo prazo é até 5 de agosto e que já envolveriam algum grau de aglomeração. Talvez seja viável fazer isso por videoconferência, embora seja relativamente complexo. Em 15 de agosto, teria início a campanha. A verdade é que em outros tempos, a campanha era feita essencialmente de corpo a corpo nas ruas, em comícios que exigiam muito contato e aglomeração. Hoje em dia, o perfil das campanhas mudou, sobretudo com o papel da televisão e das redes sociais, de modo que o corpo a corpo e aglomeração se tornaram um pouco menos importantes. É possível imaginar uma campanha feita via redes sociais, via televisão. Seja como for, nós só vamos poder deflagrar esse processo quando algum grau de contato social for possível. Por isso, estamos aguardando o momento certo para bater o martelo.

 

Se as eleições forem adiadas para depois de 2020, teremos uma extensão dos mandatos atuais?

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Precisamos avaliar como está a curva da doença para tentarmos programar o futuro. Mas a verdade é que a grande característica da pandemia que estamos vivendo é a indefinição, a imprevisibilidade. Caso seja preciso adiar, desejaríamos que fosse por apenas algumas semanas. Talvez para meados de novembro, ou no início de dezembro. Ou ainda fazer o primeiro turno em 15 de novembro e o segundo, em 4 de dezembro. Faremos tudo que for possível para evitar a prorrogação de mandato. Se isso se impuser como uma coisa inevitável, o que eu espero que não aconteça, seria uma prorrogação pelo prazo mínimo, porque há muitos problemas de ordens diversas em uma prorrogação de mandato.

 

 

A Constituição autoriza a prorrogação de mandato?

A Constituição não prevê e, na redação atual, não autoriza. Na verdade, a prorrogação de mandato é antidemocrática em si, porque os prefeitos e vereadores que lá estão foram eleitos por um período de quatro anos. Faz parte do rito da democracia a realização de eleições periódicas e o eleitor ter a possibilidade de reconduzir ou não seus candidatos. Portanto, pela Constituição, não é possível prorrogar mandatos. Mas, evidentemente, em situações extraordinárias como essa pandemia, pode haver um motivo de força maior que leve o Congresso a contemplar essa possibilidade. Eu verdadeiramente espero que não aconteça em hipótese alguma.

 

Por enquanto, a hipótese mais viável é adiar o pleito para o fim do ano, mantendo os mandatos dentro dos quatro anos?

O plano A é não adiar. O plano B é adiar talvez para 15 de novembro. O plano C é o primeiro domingo de dezembro. Se nós conseguirmos realizar as eleições no começo de dezembro, a gente consegue dar posse em 1º de janeiro, como prevê a Constituição. O que todos nós somos contra — e eu tive a possibilidade de conversar sobre isso com os presidentes da Câmara e do Senado — é de cancelar o pleito para fazer com que as eleições municipais coincidam com as eleições gerais de 2022. Essa é uma ideia ruim por muitas razões. A primeira é a razão democrática. Você não pode prorrogar mandatos à luz da Constituição porque esses prefeitos e vereadores foram eleitos por quatro anos. Portanto, o direito de se conduzir ou não essas pessoas pertence ao eleitor. E, de princípio, não é possível alterar isso. Prorrogar mandato é um problema de natureza constitucional. Não será totalmente errado se houver um motivo de força maior reconhecido pelo Congresso que preveja uma nova data. O segundo motivo, que o eleitor vai ter que votar em sete candidatos para sete cargos públicos simultâneos. É muita informação, é confuso e o eleitor vai ter dificuldade de fazer escolhas adequadas para sete cargos ao mesmo tempo. Em terceiro lugar, a pauta de uma eleição nacional é bastante diferente da pauta de uma eleição municipal. Na eleição geral (nacional), você está discutindo sistema econômico, está discutindo como tratar o sistema de saúde. Já em uma eleição municipal, você está discutindo transporte urbano, recolhimento de lixo, questões locais. Se você faz as duas eleições coincidirem, ou você vai municipalizar a presidencial ou vai nacionalizar a municipal. Vai haver uma inevitável perda para o debate público. Outra questão é que nas eleições municipais de agora, já estamos esperando 750 mil candidatos para prefeitos e vereadores em 5.600 municípios brasileiros. Se você coincide as eleições, você acresce a esses números todos os da eleição nacional: presidente, governador, deputados federais, estaduais, distritais e candidatos a senador. Você vai criar um inferno gerencial para a Justiça Eleitoral ter que administrar todos esses candidatos ao mesmo tempo, tendo que lidar com a Lei da Ficha Limpa. A Justiça Eleitoral não teria condições de decidir a maioria das impugnações antes das eleições. Aí, teria que anular eleições em caso de irregularidades. Não penso ser uma boa ideia que elas coincidam. Seja como for, esse é um debate político a ser travado no Congresso. O que eu considero ilegítimo é quem foi eleito para quatro anos permanecer mais tempo que isso.

 

O senhor foi relator das ações que questionaram a MP 966, que trata sobre a punição de agentes públicos que errarem em razão dessa pandemia. O Ministério da Saúde e o governo federal vêm autorizando o uso de medicamentos que não têm eficácia científica comprovada. Isso pode entrar no quesito de erros que estão sendo cometidos e os praticados pelo próprio presidente da República?

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Eu considero um erro qualquer prática política pública que fuja dos padrões consensuais firmados pela ciência e pela técnica médica em geral, pelo sanitaristas, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas entidades e referências médicas do país. Onde haja consenso científico e médico, não é possível adotar uma política pública contrária a isso. Nós vivemos em um mundo iluminista, portanto as coisas têm que ser feitas com base na razão e na ciência, não em palpite e ideologias. Portanto, contrariar os padrões médicos e científicos seria considerado um erro grosseiro para fins de responsabilização do agente público. Também consideramos que se enquadraria na categoria erro grosseiro a eventual prescrição de medicamentos que não tenham sido submetidos a testes clínicos e não sejam reconhecidos pela comunidade científica como eficazes e adequados para o enfrentamento daquela moléstia a que ele se destina. Eu acho que a adoção de uma política pública de eventual distribuição de um medicamento que não tenha chancela da comunidade médico científica e nem de pesquisas clínicas, pode, sim, gerar responsabilidade. Acho que diferente é a situação de um médico específico que por uma razão A, B ou C considere que, para o seu paciente, especificamente, deva prescrever um determinado medicamento ainda quando experimental. Portanto, há uma diferença entre a responsabilidade médica individual, essa vai ser perante o Conselho Regional de Medicina (CRM), se existir, de quem tem um cargo de definir políticas públicas e o faça em contrariedade à ciência. Portanto, acho que são situações um pouco diferentes a de quem traça uma política pública da de quem prescreve para uma situação particular.

 

Ou seja, os responsáveis do Ministério da Saúde e do governo federal terão que responder por essa questão da cloroquina?

Eu não gostaria de concretizar isso, porque você vai ter decisões em situações concretas, mas claramente o Supremo disse que a adoção de alternativas não comprovadas médico e cientificamente, sobretudo se causarem dano a alguém, podem sim gerar responsabilidade.

 

O senhor acredita que debates sobre o lockdown (confinamento) em meio à pandemia podem chegar também no STF?

Pelo Brasil que nós temos vivido nos últimos anos, tudo pode chegar ao Supremo. Portanto, acho que sim, acho que é uma possibilidade real. Embora, de certa forma, o Supremo já tenha se manifestado sobre isso. O Supremo assentou que, em matéria de saúde pública, e é disso que nós estamos tratando, os três níveis de governo têm competência para atuar. A União tem, os estados têm e os municípios têm. O problema que surge é que, como existe uma certa falta de liderança unificada e uma certa falta de coordenação, você tira políticas às vezes contraditórias. Mas a verdade é que, quando você diz que os três níveis têm competências, o que você está querendo dizer é que, o que for de interesse nacional, prevalece a vontade da União, o que for de interesse mais regional, prevalece a vontade do Estado, e o que for de interesse local, prevalece a vontade do município. É fácil dizer isso em teoria, na prática podem surgir problemas, mas, por exemplo, fechamento de aeroporto, é claramente uma questão federal. A legislação e a administração dos serviços associados à aviação é uma competência da União, portanto só a União pode fechar aeroporto e proibir a vinda de voos do exterior. Agora, comércio local, é tipicamente uma questão municipal e, portanto, eu acho que mesmo que eventualmente o presidente inclua no decreto de atividades essenciais algum tipo de atividade que seja puramente local, eu acho que independentemente do decreto deve prevalecer a vontade do prefeito ou do poder municipal. Assim é uma Federação, que significa que você tem três níveis de governo e que eles devem agir coordenadamente, mas a Constituição estabelece qual é o grau de competência de cada um.

 

Ministro, voltando ao TSE, a gente tem ações que pedem a cassação da chapa do presidente Bolsonaro. Uma delas é sobre os disparos em massa em redes sociais que teriam ocorrido nas últimas eleições. O senhor pretende pautar esse tipo de ação?

Pretendo pautar seguindo a ordem cronológica de tudo que esteja pronto para julgamento. Portanto, essas ações de investigação perante a Justiça Eleitoral, elas são conduzidas pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Atualmente é o ministro Og Fernandes, que em breve, depois de muito bons serviços prestados, será substituído pelo ministro Luís Felipe Salomão, ambos integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Portanto, cabe ao corregedor conduzir essa investigação e, quando ela for concluída, ele comunica a mim e eu pautarei. Vai ter o ritmo que o corregedor puder dar e que as provas forem apuradas. Nós somos juízes. Eu vou ser presidente de um tribunal. Juiz não apoia ninguém nem é adversário de ninguém. Há a Constituição, há as leis e as regras para serem cumpridas e o modo como eu toco a minha vida é, a gente faz o que é certo, justo e legítimo, ninguém é protegido e ninguém é perseguido. Vamos fazer como manda a lei e se ficar pronto para julgamento, vai a julgamento.

 

 

Existe no STF um inquérito que mira o presidente, e agora foi incluído nele a possibilidade de ter ocorrido o vazamento, ao senador Flávio Bolsonaro, de uma operação da PF. Essa operação teria sido adiada para não prejudicar a campanha do presidente da República. Se ficar constatado que isso realmente ocorreu, seria uma interferência indevida nas eleições?

Olha, esse é um inquérito que é presentemente conduzido pelas mãos experientes, firmes e honradas do ministro Celso de Mello. Portanto, eu sou juiz, falo ao final da investigação, não ao início dela. Ao final da investigação nós saberemos se houve crime comum — e aí caberá ao procurador-geral da República oferecer denúncia e ao Supremo julgar —, ou houve crime de responsabilidade — e aí caberá à Câmara dos Deputados aceitar uma instauração de processo de impeachment e o Senado julgar —. Se o inquérito apurar que não houve nenhuma coisa nem outra, arquiva-se. Portanto, não tenho nenhuma opinião quando uma investigação começa. Depois que ela terminar, eu terei uma opinião. Se chegar ao Supremo, você vai ficar sabendo a minha opinião; se não chegar ao Supremo, nem isso.

 

Um problema que o país está enfrentando são as ameaças aos ministros do STF. Essa semana tivemos, aqui em Brasília, a prisão de duas pessoas que estavam ameaçando os desembargadores do Tribunal de Justiça do DF. Como o senhor vê isso? Um país que hoje ameaça a Justiça?

Olha, é preciso distinguir as coisas. De um lado, há manifestações que são totalmente legítimas dentro de uma democracia e no exercício da liberdade de expressão. Essas manifestações, no entanto, não podem ultrapassar o limite da legalidade, portanto, ameaça não é forma de manifestação, ameaça é crime. Agressão não é forma de manifestação, agressão é crime. Eu vejo um pouco um país em que discursos radicais vindos de lugares diferentes liberaram alguns demônios que, em uma democracia, devem ficar bem guardados. Demônios da radicalização, da intolerância e da violência, esses são inaceitáveis. Portanto, procuro distinguir bem manifestação de contrariedade, o que é legítimo de manifestações de truculência, de violência e de intolerância, o que é totalmente inaceitável. Nós precisamos, sem ninguém abrir mão das convicções, criar alguns denominadores comuns e construir algumas pontes porque o país não pode ser movido por ódio e por uma conflituosidade permanente.

 

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O ministro da Economia, Paulo Guedes, falou que pode até prorrogar o auxílio emergencial, mas em um valor menor, de R$ 200. Isso pode ser judicializado, visto que, hoje, esse auxílio é de R$ 600?

Como eu falei, no Brasil de hoje, quase tudo pode ser judicializado. Mas eu acho que em questões técnicas de economia, decisões estritamente político-administrativas, eu sou de um entendimento que o Supremo deva exercer autocontenção e, portanto, não é o Supremo, em linha de princípio, quem tem a expertise para dizer quanto pode ser o auxílio emergencial. Portanto, acho que ele vai ser no valor possível. Judicializado pode ser, mas há um conceito em direito constitucional que chama de capacidades institucionais. Ainda quando o Judiciário possa ser o intérprete final, nem sempre ele deve ser o intérprete final. E acho que ele deve ser deferente para com as decisões políticas e para com as decisões técnicas dos outros Poderes, inclusive, sobretudo, o Executivo. O Judiciário só deve interferir quando houver o risco grave para algum direito fundamental ou algum risco grave para a democracia.

 

Existe risco à democracia em razão desses pedidos de intervenção militar, volta do AI-5?

Eu acho que talvez haja um certo exagero nesse risco. Eu presto atenção nas manifestações e, no geral, é uma minoria muito pequena, pouco significativa. Lembra-me um pouco na época do regime militar, pois eles recriam os bolsões sinceros, mais radicais. São manifestações às vezes de extrema direita em algum grau de irracionalidade, mas, no modo como eu penso, acho que numa democracia, se é uma manifestação sem violência, de pessoas privadas, eu acho que é legítima, lustra a Constituição, e acho que elas são relativamente desimportantes. Elas se tornam graves — ou se tornariam graves — na medida em que viessem a ser endossadas por agentes públicos. Porque particulares podem apoiar o fechamento do Congresso e do Supremo, o que eu lamento, acho que é um equívoco, e felizmente são alguns gatos pingados. Mas, evidentemente, quem jurou respeitar a Constituição não pode fazer isso. Portanto, agentes públicos não podem defender golpe de Estado nem fechamento de outros Poderes. Enquanto ficar confinada a um conjunto de manifestantes pré-iluministas, eu acho que isso é irrelevante e acho que, às vezes, há um certo exagero quando da parte privada. Tratando-se do risco de uma adesão de algum agente público, aí eu consideraria gravíssimo, mas pouco para demonstrar que o vigor da democracia brasileira tanto à evocação mais antiga do AI-5, quanto a essa manifestação na porta do QG do Exército. Imediatamente as pessoas em que se supõe que estivessem indevidamente apoiadas essas manifestações fizeram questão de dizer que defendem a liberdade da democracia e não desejam uma volta da ditadura.

 

Existe uma ação no Supremo que pede que o presidente da Câmara seja obrigado a analisar pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, seja para dar seguimento ou negar. Como o senhor vê essa solicitação, existe prazo para avaliação de um impeachment?

Olhando para trás, o costume constitucional brasileiro sempre foi de que esta é uma prerrogativa do presidente da Câmara de instaurar ou não o procedimento. Assim tem sido historicamente. Nós temos dois precedentes de impeachment, que é uma alternativa traumática em uma democracia em que exibe um ponto das disfunções deste modelo de hiperpresidencialismo que nós adotamos no Brasil e na América Latina, e que, de uma maneira geral, frequentemente é uma usina de crises. Eu acho que, em algum momento, vamos ter que revisitar este modelo de hiperpresidencialismo latino-americano que gera, com frequência, governos autoritários na sua relação com o Congresso, e governos frágeis e fisiológicos na sua relação com o Congresso. Precisamos encontrar um formato melhor para a democracia brasileira.

 

Inquéritos como o que foi aberto após as declarações do ex-ministro Sergio Moro, que mira o presidente, devem ser sigilosos ou públicos?

Algumas dessas questões envolvem escolhas. Acho que, em uma democracia, a transparência em linha de princípio, é o desejável. Mas eu vou te dar um exemplo controvertido que o Brasil pratica. As sessões do Supremo Tribunal Federal são abertas ao público e transmitidas nacionalmente por TV aberta. É impossível haver mais transparência do que isso. Na maior parte dos países, como os Estados Unidos, a deliberação da Suprema Corte é feita numa sala fechada em que só entram os nove ministros e não pode entrar nenhum servidor; e, portanto, é uma deliberação totalmente não exposta à vista do público. Tem gente que prefere o modelo brasileiro e tem gente que prefere o modelo americano; eu acho que o modelo brasileiro funcionou bem para o Brasil porque deu visibilidade ao Supremo e, de certa forma, para o melhor lado da história na minha visão. Pode talvez não haver uma resposta universal. Mesmo nesse episódio do exame médico do presidente, colocou-se de um lado os pratos de uma balança da Justiça, que não é simbolizada por uma balança por acaso, é porque tem que pesar valores diferentes nos pratos. Mas, no caso do presidente, do outro lado você tem uma questão do direito de privacidade que é assegurado constitucionalmente.

 

Mas existe uma flexibilização do direito à privacidade de agentes públicos, certo?

Existe, sim, e vou te dar um exemplo. Eu ou qualquer agente público, a declaração de renda como pessoa privada é totalmente protegida pelo direito de privacidade. Mas, quando eu assumo um cargo público, eu preciso ir lá e apresentar para um terceiro o patrimônio, pois é como mecanismo de controle de que eu não aumentei o meu patrimônio ilegitimamente durante o cargo. Você tem todo o direito de manter a sua declaração sobre reservas, mas, se você resolver se candidatar a um cargo público, você tem que exibir as suas contas. Portanto, a resposta é “sim”, mas não quer dizer que tenha perdido totalmente a sua privacidade.

 

Confira a entrevista completa:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Correio Braziliense

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