Dia da Mulher: será que temos o que comemorar?

Mulheres continuam a ser agredidas, assediadas e ganham muito menos do que os homens

Deborah Bresser, Do R7

Queimadas e agredidas dentro e fora de casa, mulheres lutam para recompor suas vidasReprodução/ Emilio Morenatti

Causa um embrulho no estômago ver as imagens feitas pelo fotógrafo espanhol Emílio Morenatti, que retrata mulheres paquistanesas agredidas por maridos, pais e familiares. As cicatrizes, mais do que rostos deformados, estampam uma sociedade doente, que seja aqui ou do outro lado do mundo, ainda trata as mulheres como saco de pancadas. Os casos de violência doméstica, quando chegam a desfechos trágicos, extrapolam as quatro paredes e ganham os noticiários.

Como esquecer Célia Regina Pesquero, química formada e doutorada na USP, onde era professora, que teve o maxilar fraturado pelo marido. Após a agressão, ele se jogou do 13º andar do prédio onde moravam, em Osasco, com filho do casal, Ivan, de 6 anos, no colo. Celia confirmou à polícia que “sempre apanhava”. Se no caso dela chama a atenção o alto nível de escolaridade, a realidade das mulheres brasileiras é alarmante em todos os níveis.

A pesquisa ‘Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado” da Fundação Perseu Abramo, organizada pelo professor da Faculdade de Sociologia da USP, Gustavo Venturi, a violência contra a mulher permeia toda a sociedade, seja qual for o recorte, renda, cor, escolaridade, região, ou outro fator. O estudo investigou 20 diferentes modalidades de violência, agrupadas por controle ou cerceamento, violência física, psíquico-verbal, sexual e assédio.

Espancadas a cada 2 minutos

E revelou que 10% das entrevistadas já foram espancadas uma vez na vida – 20% dessas no último ano. Resultado: cinco mulheres são espancadas no Brasil a cada 2 minutos. “Durante muito tempo, a sociedade defendeu que em briga de marido e mulher não se mete a colher, as mulheres não encaram publicamente, as pessoas acham que é um problema do casal”, acredita Venturi. Quando questionados, os homens revelam a proximidade com a violência. “Dos homens entrevistados 50%  disseram conhecer alguém que já bateu em mulher, e 25% tinham algum caso na família.”

O que motiva tanta violência? Em metade dos casos, tanto homens quanto mulheres declararam que a briga por causa da fidelidade é apontada como principal vilã, demonstrando que o tema da posse, do pertencimento ao outro, é a questão de fundo que mais alimenta essa violência. “Isoladamente é a principal razão. As questões relativas à autonomia delas (a mulher quer sair para trabalhar, escolher como se vestir ou voltar a estudar) geram 1/5 das agressões.”

Cantadas baratas

Agredidas dentro de casa, as mulheres sofrem também nas ruas. O assédio, travestido de cantadas baratas, mereceu uma campanha de alerta contra o incômodo e os traumas que causa. Mais de 80% das mulheres que participaram do levantamento Chega de Fiu Fiu, realizada pelo site Olga, declararam que não gostam de receber as tais cantadas na rua.

Cerca de 90% delas já deixaram de fazer alguma coisa por medo de assédio; 85% já sofreram com estranhos passando a mão em seus corpos. “O assédio é grave e não tem limites, nem mesmo de idade: algumas mulheres me confidenciam que sofreram pela primeira vez com o problema aos dez, nove e até oito anos. Infelizmente, tal comportamento é visto com normalidade por grande parte das pessoas. Também é legitimado por propagandas e formadores de opinião equivocados, que confundem as relações românticas naturais humanas com a violência e agressividade do assédio sexual”, declara Juliana de Faria, uma das idealizadoras da campanha.

Provar às próprias mulheres que, não, não é culpa delas, é o maior desafio. A cultura machista está impregnada não apenas na mente dos homens, como também na das mulheres, que compram a ideia (equivocada) de que são algozes onde seriam vítimas. Na série “100 Mulheres – Vozes de Meio Mundo”, publicada globalmente pela BBC, a historiadora Mary Del Priore levanta essa bandeira. “As mulheres brasileiras do último século conquistaram o direito de votar, tomar anticoncepcionais, usar biquíni e a independência profissional.

Mas ainda hoje são vítimas de seu próprio machismo.” Segundo ela, que é autora de obras como História das Mulheres no Brasil (ed. Contexto) e Histórias e Conversas de Mulher (ed. Planeta), “muitas não conseguem se ver fora da órbita do homem e são dependentes da aprovação e do desejo masculino.”

Mulheres machistas

Segundo ela, o machismo no Brasil se deve muito às mulheres. “São elas as transmissoras dos piores preconceitos. Na vida pública, elas têm um comportamento liberal, competitivo e aparentemente tolerante. Mas em casa, na vida privada, muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da namorada, a culpa é da menina; e ela própria gosta de ser chamada de tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos os homens do quarteirão. O que mais vemos é o machismo das nossas mulheres.”

A posição é polêmica, mas ajuda a compreender a subserviência feminina diante de questões maiores, como a aceitação de salários muito mais baixos do que o dos homens, ainda que com jornadas de trabalho tão ou mais exaustivas.

Salários de 1993

Segundo levantamento do DataPopular, o que as mulheres ganham hoje é o que os homens recebiam em 1993.  “O que talvez explique a inatividade da mulher frente a esse padrão é que, com a entrada num mercado de trabalho tão competitivo, com tantas crises econômicas e uma classe média achatada, a luta pela sobrevivência se impõe sobre qualquer outro projeto.

Essa falta de tempo para respirar, o fato de ter que bancar filhos ou netos, isso talvez não dê à mulher tempo para se conscientizar e se erguer acima do individualismo – outra tônica do nosso tempo – e pensar no coletivo”, acredita Mary Del Priore.

O aumento da presença feminina no mercado de trabalho é inegável. Dados do Data Popular apontam que mais de 10 milhões de mulheres no Brasil passaram a trabalhar nas duas últimas décadas. Em 1992, as mulheres contribuíam com menos de 1/3 da massa de renda total dos brasileiros. Em 2012, já representavam quase 40% desse montante. De 1993 a 2013 saltou de 20% para 38% o número de mulheres responsáveis pelo domicílio.

Na classe baixa o percentual de lares chefiados por mulheres é ainda maior. De acordo com a amostra “Síntese de Indicadores Sociais” do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em relação aos casais sem filhos, o índice de chefia feminina passou de 4,5% em 2001 para 18,3% em 2011; já entre os que têm filhos, subiu de 3,4% para 18,4%, no mesmo período. A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) aponta que 37,4% das famílias têm como pessoa de referência a mulher. No entanto, 13% revelam já terem sido espancadas dentro de casa. Essa conta não fecha. O cenário não parece de fato favorável a comemorações.

 

 

Fonte: R7

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