FLAGRANTE

(Imagem: axel_rosito)
Porteiro de responsa. Era como se definia o orgulhoso Arcélio. Com ele na portaria a segurança era perfeita. Na segunda vez que o visse, morador novo virava velho conhecido: sabia nome, profissão, local de trabalho, se era casado e tinha filhos e até time pelo qual torcia. Ia perguntando, assuntando logo no primeiro contato. Dava boas-vindas ao recém-chegado, esbanjava gentileza, perscrutava o que podia a respeito daquela cara nova. E se o mês fosse Dezembro, dava jeito de chamar a atenção do novato para a caixinha de Natal.
Tudo era rotina, até a chegada do Malta. Homem sério, de pouquíssimas palavras pronunciadas em tom de voz abafado. Profissão? Aí é que está: o Malta sussurrara a palavra “artes”. Arcélio não se sentira encorajado a pedir detalhes sobre o tipo de arte a que o homem se dedicava. Arte era arte. Vai ver, o Malta era pintor de quadros. Artista de TV é que não era, pois Arcélio nunca vira antes aquela cara de agente secreto mal humorado. O porteiro anotou a informação na ficha de moradores e deu por parcialmente cumprida a mais prazerosa de suas obrigações. Com o tempo, descobriria a verdade sobre o senhor Mistério.
– Ôlho nesse cara do 204, Arcélio, que ele está recebendo cada figuraça muito esquisita tarde da noite.
A advertência viera do Tiziu, vigia noturno que flagrava com frequência o carro do morador entrando na garagem, mas sem o proprietário. Vinha conduzido a cada vez por motorista diferente, que se esgueirava entre os carros dos outros moradores para desaparecer escada acima, dispensando o elevador. Do Malta mesmo, nem sinal.
Arcélio ficou preocupado. Quem sabe se tratava de golpe? O Malta podia ser um laranja que alugara o apartamento em seu nome para encobrir a atividade da quadrilha. Recebera sua parte no trato e desaparecera.
– Sei não, Arcélio – duvidou o Tiziu. – E se o homem foi sequestrado? Pode ter acontecido algo pior…
O porteiro sentiu o coração aos pulos. Um crime… Então era isso! Chamar a polícia foi a sugestão do vigia, mas o herói Arcélio pediu cautela. Iria averiguar, ficar no posto aquela noite e flagrar o bandido. Levaria com ele o pé de cadeira usado como arma. Pegaria o danado aplicando-lhe uns golpes para, em seguida, chamar a polícia.
Tarde da noite apareceu o Malta. Melhor, o carro dele. Oculto por uma pilastra, Arcélio esperou o motorista manobrar o veículo. A surpresa ficou quando saiu do carro uma bailarina.
– Ei, dona, por favor… – gritaram, primeiro, a curiosidade e depois, o zelo do porteiro.
A mulher disparava em direção à escada. De um salto Arcélio alcançou-a pelo saiote em tule, que desprendeu-se deixando a figura vestida de collant e meia-calça. O porteiro perdeu a fala quando descobriu que a bailarina era, na verdade, bailarino. Ninguém menos que o até então desaparecido Malta.
– Desculpe, seu Malta… – balbuciou Arcélio, enquanto devolvia o saiote ao morador.
Sentado no degrau da escada e já sem a peruca, o ator falou sobre seus vários personagens. Explicou que a reforma do camarim o levara a optar por trocar-se em casa – a pouca distância do teatro. E que, por timidez, sempre evitava o elevador.
– Ah, tá explicado, seu Malta. Arte é arte, né? – disse o porteiro, estendendo ao morador uma caneta e um pedaço de papel que sacara do bolso.
– O senhor se importaria de me dar um autógrafo?
Autor: Eduardo L. Resende

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